Quando tens uma mente agitada, todos os momentos são de análise. Não importa se está calor. Se estás na praia. Se a companhia é boa e levaste um livro. Não há nada que te distraia do mundo, da injustiça, da triste realidade que se abate diariamente sobre ti. Não é só o cartaz sorridente da menina que se candidatou à câmara do teu município, provavelmente para o limpar dos ratos ou para incentivar crianças violadas a manterem a gestação. É tudo. A conversa da pessoa que passa a defender o genocídio com o “não foi Israel que começou”. A rapariga a ler na toalha em permanente estado de alerta e que se encolhe um bocadinho sempre que passa um homem a falar mais alto. O jogo de... vólei?!... que acontece à tua frente e que te lembra a realidade da mulher na sociedade de hoje.
Atentai, senhoras e senhores, penso com ironia, ao jogo mais equilibrado de todos os tempos! De um lado temos quatro homens, físico relativamente treinado e experiência de jogo. Do outro, sete raparigas, todas pequenas e jovens – a maioria não terá mais de um metro e quarenta e a mais velha (a única mais velha) não terá mais de treze ou catorze anos, enquanto a mais nova não terá mais de seis ou sete. Jogo equilibrado, julgam eles! Estou absolutamente certa, porque os ouvi, à chegada, dizerem: vocês fazem uma equipa. Para equilibrar forças, certo? Condescendentemente, até permitem que elas, não sendo um jogo formal, possam dar mais de três toques na bola, enquanto eles – coitados! – têm de se ater às regras.
O jogo começa. Eles passam a bola com facilidade uns aos outros e por cima da rede. Elas atrapalham-se na confusão de ter gente demais em campo e algumas – normalmente as mais baixinhas – nem chegam a tocar na bola. Ocasionalmente, quando uma atravessa o campo e embate no campo deles, entreolham-se e permitem que elas marquem um ponto.
Claro! Todos se riem. Estão bem-dispostos e divertidos. Elas também. Tento pensar, dentro dos meus calções de ganga e t-shirt oversize preta - nada contra o bikini que tenho por baixo, mas as nortadas portuguesas transformam frequentemente a praia numa experiência de crioconservação! – que estou a ser demasiado crítica.
Penso-o assim: Eles estão a divertir-se, por que raio é que isto me incomoda tanto? Estou a ser demasiado crítica. E estou. Raios! Não faz de mim nada boa pessoa, pois não? Irrito-me comigo própria. Mas, depois, penso melhor. Não é o jogo que me irrita, mas a metáfora. Irrita-me que se equilibre o jogo da vida quotidiana com estratégias que não dão qualquer vantagem à mulher, servindo apenas para dar argumentos aos homens. Como assim, estás em desvantagem? Vocês eram mais e até vos permiti regras mais suaves? A falta de espaço para agir, a falta de altura para competir, a falta de força e de experiência... nada disso é olhado. As falsas vantagens cobrem a desvantagem óbvia com uma capa de condescendência. Como a mulher que tem sorte em ficar em casa com os filhos porque o pobre do marido trabalha. E o sonho dela que se lixe. Como a mulher que trabalha na empresa X e até chega ao cargo que ambicionava. E as horas extra, o esforço extra, invisível. Como a mulher que caminha na rua, vestindo o que lhe apetece. E os riscos que corre, que se ignorem.
Uma vez perguntaram-me se o feminismo ainda era necessário. E eu respondi: cada vez mais. Ainda não sabia que o mundo iria para onde, atualmente, está a ir, e já o dizia. Hoje, não ser feminista, é ser conivente com um sistema no qual a mulher é aniquilada por estratégias diretas e indiretas. Diria uma grande amiga: é um mundo de homens que odeiam as mulheres. Eu acrescento, porque nasci com jeito para a advocacia de belzebu... com exceções, felizmente!
Seja como for, e sem querer estragar a diversão destas onze pessoas que jogavam algo que pretendia ser vólei na praia, fico à espera de jogos mais equilibrados. Mas eles não se equilibram sozinhos. Eu sei que gasto esta palavra... mas sinto a areia a correr vertiginosamente na ampulheta da vida, e sou fã de repetições. Lutemos, gente! Lutemos!
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Marina querida, acredita que entendo perfeitamente a tua posição que aparentemente faz todo o sentido. Mas acontece que tenho experiências bastante lamentáveis sobre o feminismo. Em tempos militei alguns anos num partido de extrema-esquerda. A dada altura emergiu um grupo de mulheres, a maioria lésbicas, que desenvoveu aguerrida campanha contra a "opressão machista". No sentido de se passar do voluntarismo vazio a algo mais concreto, desafiei-as a discutirmos a sério algumas das principais formas de opressão contra as mulheres, desde a prostituição, tráfico de mulheres vindas do Brasil e do Leste, mutilação genital e outras barbaridades. Ofereci-me até para convidar para as nossas reuniões pessoas que trabalhavam em organizações de defesa e protecção de mulheres e com larga experiência dessa problemática. Pois acredita que recusaram em absoluto, demonstrando assim que aquela histeria em torno da opressão, nunca passou para elas, as ditas feministas, de palavreado oco e que não queriam porque não queriam aprofundar nada. Eu sei que isto é apenas um facto entre muitos, mas creio ser muito significativo. Agora podes tirar as conclusões que achares adequadas. Mas tudo bem. Como dizes muito acertadamente, a areia continua a cair na ampulheta, aparentemente cada vez mais depressa.
ResponderEliminarbeijo grande. ZM