domingo, 28 de junho de 2009

Saudade

Abri a porta e a janela, depois sentei-me no chão com a cabeça entre os joelhos. Precisava de ar. Sentia a garganta apertada. O desejo demasiado profundo de me enterrar na minha própria dor para a transformar noutra coisa qualquer parecia queimar-me a pele.
Respirei fundo, sentindo o meu coração ripostar. “A culpa não é minha” – gritavam os meus olhos fechados sem que uma lágrima os preenchesse. E foi então que a senti entrar. Sorrateiramente, como se tivesse medo de acordar os meus sentidos dormentes ou de atiçar simplesmente a minha fúria. Entrou lentamente, pé ante pé, demorando dois segundos a compreender que eu sabia que ela estava ali.
“Estás atrasada” – rosnei-lhe. E ela baixou a cabeça, sem contestar as minhas palavras. O vazio da sua resposta era o silêncio de sempre. Senti o ódio percorrer-me as veias, como se pudesse chegar a todo o lado e preencher cada célula do meu corpo.
Então, suavemente, ela aproximou-se sem que eu a detivesse e fundiu-se em mim. A dor que senti quando o fez foi excruciante, como se um ferro em brasa me marcasse vez após vez, como se me baleassem repetidamente e me arrastassem por um chão de pedras afiadas. Como se a vergonha viesse juntar-se à sensação de estar a ser torturada e se misturasse ainda com a impotência de não poder gritar.
“A culpa não é minha” – repetia em pensamento. Não compreendia porque é que a saudade tinha saído da minha vida, por que motivo decidira voltar agora, só agora…
Percorreu-me a expressão o grito mudo de saber que aquela dor podia ser ainda maior e, nesse lapso de sanidade, ela piorou. A saudade queimava-me, a dor tolhia-me os sentidos e ainda podia ser pior porque a minha consciência procurava focar-se na única coisa boa que sobrava na minha vida: amar-te.
E amar-te aumentava a saudade e ela queimava mais e mais, como se não fosse o suficiente. A corrente de ar que passava por mim não ajudava. Já não conseguia lutar mais. Já não conseguia respirar.
“A culpa não é minha!” – gritei por fim para que ela me ouvisse. Os olhos secos contrastavam com a tez pálida da minha dor que não parava nem abrandava um pouco. A saudade, no entanto, já se tinha alojado em mim, tomado de assalto o meu corpo… e ela queria que eu chorasse. Abanei a cabeça a custo, respondendo aos seus desejos. “Estás atrasada… a culpa não é minha!”
A porta bateu violentamente quando o vento soprou mais intenso. Por mais forte que fosse a saudade ela não era mais forte que o meu amor. Não era mais forte que as minhas promessas e não era mais forte que as minhas palavras quando um dia, há muito tempo atrás, os meus lábios, ávidos dos teus beijos, deixaram escapar a frase “Eu prometo que não choro…”

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet