quarta-feira, 19 de março de 2008

Silêncio


As palavras são feitas de silêncio, Leonor...
Eu, por exemplo, queria falar e todas as minhas mudas palavras se calam num olhar ou num gesto mais dorido, construído na mágoa do silêncio.
E depois, quando sem razão ele é quebrado por outra voz, eu minto e digo que não há palavras por proferir.
A vida é assim, meu amor, fica tanto por dizer... Ás vezes calamos a voz dos nossos próprios sentimentos e pensamos que existe sempre o amanhã para dizer o que não conseguimos dizer hoje. Mas o amanhã é feito de silêncio... porque amanhã nenhuma das palavras que hoje tinhamos para dizer fará sentido.
Sabes, Leonor?... é estranho amar alguém no silêncio de palavras que foram proibidas pelo tempo e pelas pessoas que o tempo tratou de pôr na nossa sina.
A palavra mais difícil de dizer é “amo-te”... sabias? Normalmente, em vez de falar de amor, fechamos os olhos e damos tudo o que somos. Porque é mais fácil envolver dois corpos no silêncio do que envolver a alma na promessa que fica em cada palavra proferida.
Eu já nem tenho medo da solidão dos meus silêncios. Trato as memórias trocistas como se fossem amigas de longa data e o vazio que ficou como a imensidão de tudo o que um dia tive.
As minhas palavras são silêncio, meu anjo, e quanto mais falo mais percebo que há um mundo de coisas por dizer. Porque tudo o que é realmente importante fica sempre para dizer amanhã e o amanhã nunca mais chega.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

domingo, 2 de março de 2008

Quem eu era...



Quem eu era, já há muito tempo que deixou de importar. Hoje já não sou quem fui. Num ano envelheci séculos. Já não me conheço.
Tenho saudade do tempo em que me cansava das pessoas como se fossem coisas, saudade da vontade que me preenchia: a vontade de conhecer o mundo nem que tivesse de deixar para trás tudo o que tinha. Eu queria ir longe, sonhava com o futuro, tinha planos e a possibilidade de tornar tudo real.
Quem eu era, morreu nos olhos de alguém, da primeira vez que os nossos olhares se encontraram... desejei que todos os sonhos começassem e acabassem ali, deitei fora tudo aquilo em que acreditava e fiz de mim mesma o caminho para a destruição de todos os planos.
Antes, queria amar mas não entregava o coração e estava sempre mais preparada para dizer “adeus” do que “amo-te”.
Antes, eu era capaz de seguir e as lágrimas que derramava eram doces e, como tal, bebia-as sem me importar. Sofria de um modo simples, que era sofrendo e sorrindo, acordando aos poucos para uma realidade mais bonita e melhor. Encarava todos os fins como portas a abrirem-se para algo infinitamente mais belo e não tinha medo de seguir pelos trilhos que me podiam levar até realidades sonhadas.
Era tão mais simples a minha vida quando eu falava de amor sem saber o que isso queria dizer. Era tão mais simples abrir os olhos e ver um mundo que nunca tinha sido bom para que o pudesse julgar mau!
Hoje sou uma rapariga tola, sem metas e com o coração partido. Já não quero o mundo, quero um momento de felicidade com uma pessoa. Já não me canso de toda a gente, há alguém com quem partilharia tudo na vida. Já não é mais fácil dizer “adeus” do que “amo-te”... já não é fácil dizer “adeus”...
Tenho saudades de desejar algo que pudesse alcançar, saudades de querer algo que me coubesse na palma da mão. Hoje, séculos mais velha, não sou ninguém... afinal, ninguém ama de verdade!

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet