sábado, 12 de dezembro de 2009

O meu luto

Foi então que tu olhaste para mim. Olhaste para mim e fechaste a porta. Era hora de partir. Tu sabias isso. Eu também. Assumiste-o apenas quando eu ainda o negava.
Havia no meu peito mais medo do que amor. Era tanto o medo que só me apercebi do que sentia quando fechaste a porta e dei por mim sozinha entre a nudez e a escuridão. Porque eu sabia que não a voltarias a abrir. Nunca mais.
De um modo simplista pensei trajar negro novamente. Mas não havia sequer um sentido em fazê-lo. O meu mundo já não tinha cor sem ti. Não havia sol. Não havia luz. Havia apenas um conjunto de pessoas a preto e branco, movendo-se num mundo morto. Não havia ar. Não havia sequer um vislumbre de felicidade. Era esta a minha certeza, depois da porta ter batido.
Assim, em vez de nascer na minha roupa, o meu luto nasceu em olhares vazios e na solidão crescente do meu coração meio-morto. Nenhum toque podia ser mais do que um ataque à minha pele e nenhuma palavra podia ser suave aos meus ouvidos. O mundo embruteceu, como se toda a humanidade tivesse desvanecido. Não havia lugar para mim. Talvez porque nunca tinha havido lugar para nós.
Foi só hoje que, a medo, me levantei da cama. Ainda está escuro. Ainda está frio. Ainda é Inverno. Os meus passos nus no chão ecoam medo pelo quarto. Só quero abrir a porta outra vez. Quero não estar à espera de te ver do outro lado, como se estivesses à minha procura, como se tivesses estado sempre aí.
Quero dar conta da lonjura da minha própria solidão. Saber que a minha pele não pode esperar para sempre pelo teu toque e que os meus ouvidos não podem obedecer apenas ao teu chamamento.
Tu olhaste para mim. Sabias que era hora de partir. Não mo disseste. Fechaste a porta atrás de ti e foste embora como se eu não importasse. Porque eu não importava. Eu nunca importei.
Fechaste a porta e eu prometi-te o meu luto. O meu luto foi a minha vida. E, durante um ano, a minha vida não foi vida. Então, hoje, pintei novamente as ruas do meu mundo, ouvi outras vozes, senti outros toques. Ainda assim, quero que saibas que tu serás sempre tu. Mais uma moldura sem foto na parede vazia do meu passado. Mais uma peça do meu tempo perdido em lágrimas secas. Mais uma pessoa que não soube ver que eu posso ser mais do que um olhar e uma porta fechada.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Beleza

Corria-lhe a eternidade nas veias. E o pulsar acelerado do seu coração parecia uma balada desfeita em mil notas de promessas.
A pele nua reflectia as nuances claras do luar e os cabelos eram um rio sem fim nem rumo, correndo para o lugar em que o sonho e a realidade não têm fronteira.
Então, naquele momento, ela era bonita. O coração batia. Os olhos tinham o brilho da esperança. E a pele ardia sob a chama sempre acesa de uma paixão.
Os beijos alimentavam-na de esplendor e a subtileza dos seus movimentos era como a dança mais perfeita alguma vez criada por mão divina.
Morava no seu peito o desejo de viver para sempre. Queria acordar de juventude e pôr um sorriso na tez perfeita. Correr o mundo de felicidade. Dormir nos braços do contentamento.
Havia mais do que perfeição nos seus traços. Havia mais do que mera beleza no seu rosto de marfim. Era como se o mundo tivesse parado para se curvar a seus pés. Como se o toque que sentia aflorar-lhe a pele fosse eterno. E a sua beleza dependesse desse toque e pudesse contagiar o Universo.
Nenhuma estrela brilhava mais do que ela. Ela era a expressão mais pura da beleza. Porque estava apaixonada. Porque acreditava no amor. Porque ele olhou para ela durante dois segundos e lhe sussurrou ao ouvido: “És tão bonita!”.

Marina Ferraz

*Imagem retirada da Internet

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Sentimento


As noites são todas iguais. Até para mim. Até para mim que, um dia, reconheci que cada noite era única. As noites são todas iguais.
São todas escuras e vazias. E não têm estrelas. Não têm luzes de Natal. São o espaço entre o nada de hoje e o nada ainda maior de amanhã.
E todas as noites eu penso em ti antes de dormir e profiro uma prece muda. Uma prece muda que chora como se o abismo estivesse à espera, assim que os meus olhos se fechassem.
As noites são todas iguais. Acabo sempre à procura da morte nas sombras dos meus sonhos. E acordo para o dia desejando a noite seguinte. Uma noite que será como todas as outras e na qual procurarei a saída da escuridão que não passa ao amanhecer.
As noites são todas iguais. Tenho medo da noite. Medo de dormir, medo de imaginar que te tenho nos braços, medo de acordar e voltar aos dias. Aos dias que são dor, cansaço e solidão. Aos dias que são noites de luz sem sentido. Aos dias que também são todos iguais desde que foste embora.

Marina Ferraz

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Cansaço

Move-me o meu cansaço. O meu mundo de olhos abertos que não vêem e de pensamento vivo que não remói. O meu mundo de cores indefinidas em marés de tempestades de sol.
Move-me o meu cansaço. Este cansaço que não me mata e não me fortalece. Que me move apenas, com promessas de sonos eternos, livres de sonhos, de pensamentos, de racionalidade.
Imagino que me vou deitar e não me levanto amanhã. E que amanhã é para sempre. Imagino que é essa a meta desta vontade de enfrentar a fadiga e erguer os braços. De lutar.
Move-me o meu cansaço. A sensação de eternidade ausente. Como se pudesse entrar um exército pela porta dos meus olhos, derrubar tudo o que me importa e eu não quisesse saber.
Sinto o corpo pesado e a alma acorrentada ao corpo. Sinto que se dormir agora e não acordar nunca mais, o sossego será tudo o que preciso para estar completa.
Há um som de eternidade muda a ecoar nos meus ouvidos. A promessa inaudível do amanhã que não vai chegar.
Move-me o meu cansaço. O cansaço que respiro e que me alimenta. O cansaço que me mata o frio e a sede.
Move-me o cansaço que entrou em mim e se apropriou de cada célula do meu corpo. Não sei quem era ontem. Ontem foi há mil anos atrás. Hoje, eu sei que sou cansaço. É o cansaço que me move.

Marina Ferraz

*Imagem retirada da Internet

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Aniversário

Abro hoje os olhos. Hoje, porque hoje sopro as velas. Sopro-as porque faz anos que se apagou o sol e, hoje, não quero qualquer tipo de luz a cegar-me.
Hoje sopro as velas e peço um desejo mudo que repito três vezes. Três. Não mais e não menos. Fico a ver o fumo do meu pensamento triste a envolver-se no fumo da vela apagada, dançando no ar, rumo ao esquecimento.
Sopro as velas. Olhar ausente, vazio. O olhar de quem já não espera coisa alguma. Como se o mundo fosse uma floresta de ciprestes secos e nela fosse sempre noite. Uma noite onde os pássaros já não podem voar.
É essa a minha idade. Eternamente.
Sopro as velas num sopro sem ar. O sopro da saudade misturado no da distância. Um sopro de contentamento, velado pela dor.
Aplaudem. Todos os meus fantasmas. E sorriem-me. Sorriem-me no meu aniversário, assim que sopro as velas e me deixo cair novamente na minha poltrona de sofrimento.
Sopro as velas no aniversário da minha morte. Os fantasmas deixam-me só por momentos. O relógio bate as eternas badaladas e eu fecho os olhos.
Parabéns.

Marina Ferraz

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Mural do Silêncio


Bateram palmas. Infinitamente. Sentia a pele queimar sob as luzes. Os meus olhos não podiam ver o rosto de ninguém. Bateram palmas ao segundo acto da minha farsa. Ainda tinha de voltar a palco e já estava farta de fingir. Estava farta de tentar procurar um sentido naquela peça de teatro constante à qual chamo vida.
Subi ao palco da minha morte vestida de vergonha. Suja de solidão. Rasgada de saudade. Bateram-me palmas e eu sorri. Sorri porque era o meu papel e porque havia uma nota no guião dizendo que o fizesse. A felicidade era da vida que representava e não da morte que vivia.
Continuei a dizer as minhas deixas. Cuidadosamente, sem falhar nenhuma, tendo em conta o tempo que passava no compasso do meu coração parado.
Ouvi as respirações sustidas e namorei o silêncio que as acompanhava. O silêncio era casa. O silêncio era abrigo. O silêncio era seguro. O silêncio preenchia-me como mais nada poderia fazer.
Bateram palmas. Não porque o meu papel fosse bom mas simplesmente porque eu era muito melhor actriz do que pessoa.
Agarrei no revólver e disse duas frases engraçadas antes de o disparar contra a minha cabeça e cair. O público riu e levantou-se para aplaudir o grande final. Eu já não estava a representar. Acabara a peça e a vida. Restava a morte. Só a morte. E eu estava finalmente em paz. Bateram palmas. Infinitamente. E eu nunca mais representei. Não se pode fingir a vida por muito tempo quando nunca se soube viver.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da  Internet

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Ampulheta

Era uma palavra e uma provocação. Mas, um segundo depois, ele sorriu e encolheu os ombros, como se não tivesse dito nada.
Eu tinha as mãos dadas com o tempo. Olhei para ele e ele olhou para mim. Depois olhámos os dois para aquele rapaz que, tão obviamente não fazia ideia do que eu sentia.
Foi então que o tempo tornou a olhar para mim e compreendeu que estava a mais. Não havia tempo para o tempo. Não havia tempo para nada além do meu amor, do meu desejo, correndo sob a pele em chamas, implorando por mais um toque.
Já estávamos a sós quando ele me disse para eu não olhar para ele com uma expressão tão séria. Mas eu não fiz caso das suas palavras. Deixei a dúvida cair no chão juntamente com a razão e a minha roupa e a roupa dele.
Perdi-me nos braços da perfeição. E, naquele momento, não era como se ele não me tivesse dito nada. Eu tinha-o. Ele tinha-me. Juntos tínhamos parado o tempo. Se continuássemos juntos talvez nunca deixássemos de ser jovens.
Eu disse “obrigada” e beijei-lhe o rosto com carinho na voz. Ele sorriu-me mas não disse nada. E eu quis morrer ali porque era fácil. Porque o tempo não fazia sentido e a recordação acabaria por desvanecer. Quando acordasse estaria só. Totalmente só. E os ponteiros do relógio tornariam a rodar, lembrando-me que a vida corre e ele não está. Lembrando-me que as recordações são tudo o que restou de nós.

Marina Ferraz

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

terça-feira, 22 de setembro de 2009

O Sopro da Saudade

- Foi o modo como olhaste para mim, naquele primeiro dia! – admitiu ela, baixando o olhar. Os seus olhos de avelã pareciam subitamente cintilar como as estrelas. – Foi a maneira como seguraste a minha mão e a certeza infinita com que me carregaste nos teus braços. Foi aí que eu soube!
Ele sorria. Tinha o universo nos braços e não havia nada que não pudesse oferecer-lhe. Podia dar-lhe a lua, podia dar-lhe as estrelas, podia dar-lhe qualquer coisa que ela quisesse. Ela não lhe ia dizer que não. Jamais o iria abandonar.
- Foi aí que eu soube que não bastavam as palavras bonitas, que não bastavam os presentes e os gestos carinhosos. Foi aí que eu soube que a tua perfeição jamais seria suficiente para mim.
O choque do seu rosto foi evidente quando as palavras dela o atingiram, fortes demais para a sua fragilidade. Ainda assim, ele não proferiu palavra alguma. Era mais um homem cobarde disfarçando a cobardia numa capa de silêncio.
- Eu queria amar-te. A sério que queria! Queria acordar e adormecer a pensar em ti. Queria pensar em construir todo um futuro a teu lado. Mas eu amo mais o incerto e o errado, amo mais a dúvida. Amo mais os estalos que a vida me dá para me atirar ao chão e a minha força para me levantar. Amo mais poder ser senhora dos meus próprios passos, cair em abismos, amar e não ser amada de volta, mas amar de facto!
O Destino olhou para a Saudade sem compreender. Como podia ela deixá-lo assim? Como podia ela escolher ser, não só saudade, mas também solidão?
A Saudade corou e ergueu de novo os olhos, pousando a mão na face do Destino.
- Segui-te e fui tua mas não te amei. Não te amei porque fugi de ti e descobri as trevas. As trevas são um lugar triste para viver mas, quando surge uma luz, por mais pequena que seja, ela ilumina-nos. Não só por fora, mas também por dentro. Aquece a alma e não só o corpo.
Ele não podia aceitar. Por isso, foi embora e a Saudade ficou finalmente sozinha. Fechou os olhos, sorrindo, e atirou-se para o abismo. Pertencia a um mundo muito diferente do dele! Não queria o universo. Queria apenas um pouco de paz.
Então, sentindo a liberdade invadi-la, a Saudade proferiu baixinho um nome do seu passado, vislumbrando, na escuridão, o rosto eternamente jovem da Esperança. E a paz veio nesse sopro e esse sopro mudou o mundo e o mundo chorou. Não chorou a Saudade ou o Destino, nem mesmo a separação dos dois. Chorou a recordação por ser o derradeiro raio de luz no meio de uma tempestade chamada vida.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

sábado, 19 de setembro de 2009

As cores da amizade

Enquanto o vento passar pelo nosso rosto e pudermos olhar para o lado e sorrir uns aos outros, a vida continuará a fazer sentido.

Colori o céu, esta manhã. Colori-o de saudade. Uma pincelada de dor, outra de harmonia, todas de azul. Num canto, desenhei uma nuvem. Uma nuvem branca e cinzenta. Concreta. Atrás dela, criei nuances de bege, laranja e amarelo. O sol. Colori o céu em pinceladas de tempo. Porque, se não houvesse tempo, não podia pintar o céu de azul e ele continuaria a ser negro.
Deixei a minha tela a secar no jardim dos meus sonhos. O meu jardim, habituado ao preto e branco de sempre, ganhou um pouco de cor e sorriu-me.
Então, sentei-me na relva seca e cinzenta da minha imaginação, fitei o meu quadro e sorri.
O vento soprou e eu olhei em redor. Ali estavam eles, a olhar para o meu quadro azul. Para o meu céu, para a minha esperança. Olharam para mim e sorriram-me. Sorriram-me como se importasse eu ter pintado o céu em tons de índigo.
Todos eles traziam na mão uma espada de luz, nos olhos um brilho de estrela, nos braços um abraço pronto…
Então, as flores pretas do meu jardim ganharam cor, sem que fosse preciso pintá-las. A relva ficou mais fresca e o cheiro a terra molhada inebriou-me os sentidos. Cheirou também a canela e coco. Depois a alfazema e menta. Depois a tomilho. Cresceram as rosas. Não rosas brancas e negras. Rosas rubras, escarlates como a própria paixão.
E eu senti-me rica. Senti-me feliz. Senti que, no mundo, a felicidade tinha, de facto, muitas formas.
Mas o facto de eu estar ali, num mundo de cores e luz, não tinha muitas formas! Tinha apenas uma: a forma de três guardiões, num trio da mais profunda amizade.
E foi por isso que, no meio de um devaneio que não tenho a certeza de ter sido um sonho, pensei para mim, no silêncio da madrugada, que enquanto o vento passar pelo nosso rosto e pudermos olhar para o lado e sorrir uns aos outros, a vida continuará a fazer sentido.
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Para a Marta, o João e o

Marina Ferraz

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A terceira vela

Era uma das coisas que ela odiava. Não ser original. Não fazer as coisas de maneira diferente dos outros, ainda que, para isso, tivesse de errar.
Talvez ela não se importasse com o que os outros pudessem pensar. Ou, na verdade, talvez ela se importasse, mas estivesse habituada a isso e já nada a pudesse atingir. Talvez tivesse apenas caído demasiadas vezes e soubesse que conseguia levantar-se, ainda que demorasse um pouco.
Com um sorriso no rosto, ela reinventou a mentira mais comum dos Homens e disse que estava bem quando não estava. As pessoas engoliram a mentira porque, de alguma forma, era mais fácil acreditar nela.
Cansada dos seus próprios erros, envolveu-se em clichés dos quais saiu ainda mais magoada. Mas ela não era uma pessoa vulgar, ainda que cometesse os mais vulgares erros. Ela era uma pessoa que acreditava que o amor fica no lugar onde começa. Era a pessoa que queria provar que ela própria estava errada. A pessoa que estava disposta a tentar amar de novo, ainda que tivesse de se destruir para isso.
Talvez por esse motivo, os seus erros tinham um sentido diferente à medida que os cometia. Nenhum deles deixava de ser original. Nenhum deles a tornava igual a ninguém. Cada toque, cada beijo, casa passo que dava, isento de sentimentos... Eram erros infernais e todos a faziam ser o pior que podia. Todos eles a tornavam um monstro. Todos eles lhe pertenciam.
Nesse dia, ela soprou as velas. Não porque fosse o seu aniversário mas, simplesmente, porque era uma data especial para ela. Soprou as velas e pediu um desejo. O seu desejo esteve longe de tudo o que as pessoas pudessem pensar. Não pediu nada para si.
Quando apagou as velas, a escuridão abateu-se. Não havia outra fonte de luz. Mas ela não estava perdida porque aprendera a viver nas trevas.
Estava sozinha. Não era seu costume mas, naquele momento, sentia-se verdadeiramente só. Reacendeu as velas e apagou-as de novo. Depois acendeu-as, uma vez mais, apenas para as tornar a apagar.
Cansada de tentar encontrar esperança no fumo - o mesmo fumo que a rodeava há muitos anos - pegou no telemóvel. Era um cliché, sim! Mas ela não se importou! Escreveu uma mensagem a dizer que, depois de tudo, o amor permanecia nas suas veias, correndo pelo seu corpo.
Nunca enviou essa mensagem, mas compreendeu finalmente que se enredara demasiado nos seus próprios conceitos de amor, liberdade e alegria… que procurara, de maneiras extremas, algo que encontrara há muito tempo atrás.
Compreendeu tudo. Como se a chama que acabara de apagar se acendesse na sua alma e lhe iluminasse a mente. Ainda o amava. A ele. Ainda o amava como no primeiro dia em que o vira. Amá-lo-ia para sempre. E não era cliché. Era simplesmente verdade. Uma verdade que podia permanecer tanto tempo como a sua promessa. Algo que podia e iria durar “Sempre e Para Sempre”©.

Marina Ferraz

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Carrossel

Então a vida girou e eu chorei.
Podia não ter chorado, é verdade. Alheia aos movimentos e às mudanças deste mundo que piso, poderia apenas ter-me curvado em serventia e sorrido secamente.
Mas a vida girou e eu chorei.
Chorei sobre a promessa que já não conseguia cumprir. A mesma promessa que cumpri durante tempo demais, sem me importar com as raízes de mágoa que penetravam cada vez mais fundo em mim.
Primeiro a solidão. Depois a dor. Por fim, a vergonha. Todas elas vieram fazer-me companhia… Tapei os olhos com as mãos para que não vissem que eu chorava. Não tardou, no entanto, para que as lágrimas escorressem pelas minhas mãos e manchassem a madeira no sitio onde caíam.
Chorei sobre a minha rectidão. Sobre a promessa mais importante que fiz na vida inteira. A culpa foi de quem me criou com todas as fraquezas de um ser humano, de quem me elevou a divindade e me tornou um monstro.
A vida girou e eu chorei.
Antes que pudesse evitá-lo, as minhas lágrimas cristalinas ganharam nuances escarlates. A solidão perfurou-me o coração, a dor rasgou-me a alma, a vergonha entranhou-se na pele. Morri.
Quando renasci, os meus olhos viam claramente o que antes parecera tão incerto. O céu, quase azul, estava carregado de nuvens. O arco-íris era na verdade uma prisão. O príncipe encantado era apenas uma sombra… nada daquilo era real.
E, então, a vida girou e eu continuei a chorar.
Era tempo de quebrar uma promessa… era tempo de prometer a mim mesma que nunca mais tentaria sair do carrossel para caminhar sobre um arco-íris de pedra.
A vida girou e eu chorei. A promessa tombou. Quebrou como cristal no chão rugoso. As grilhetas caíram.
A vida girou e eu estou livre…

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Último dia

Hoje é o último dia. O último dia antes de amanhã. O último dia em que fecho os olhos demasiado cansados de hoje. O último dia em que a nostálgica dor me remete para o mar infinito da saudade.
Pode não ser muito. Questiono-me se tem alguma importância este facto solto numa vida feita de momentos dispares. Mas hoje eu sei que te amei como nunca ninguém te amou. Tanto, que me custa a crer que uma pessoa, qualquer pessoa deste mundo, tenha amado outra com a mesma intensidade com que eu te amo.

Marina Ferraz

segunda-feira, 13 de julho de 2009

A morte da fera


A penúltima pétala de rosa caiu naquela madrugada e o Monstro não tinha dormido. Os olhos fitavam-na com desapego. Esperara anos pelo amor, esperar mais umas horas pela morte não podia ser difícil…
Viu a pétala cair, fixando o seu movimento ondulante até esta tocar o chão, a seus pés. Pensou em pegar-lhe, agradecendo-lhe por lhe anunciar o fim antes da última pétala o condenar ao esquecimento. Não o fez. Não o fez porque sabia que as suas garras a transformariam em poeira se tentasse.
Então, o Monstro recostou-se na poltrona e fechou os olhos para, de seguida, os abrir. Não temia a morte mas não queria adormecer. Restava-lhe aquele dia, talvez menos…
A última pétala da rosa agitou-se mas não caiu, ameaçou-o apenas, fazendo-o uivar de temor.
O uivo, que podia ser uma lágrima ou um grito, percorreu o palácio, ecoando pelos corredores vazios e assustando os seres encantados que, tal como o Monstro, estavam agora condenados à morte.
Ouviu um barulho lá fora e forçou-se a levantar-se. Seria imperceptível a qualquer outro mas ele ouvia claramente o som doce da neve a cair no solo, formando uma camada gélida sobre a relva seca do jardim.
Estendeu a mão mas nenhum floco a tocou. Era como se a sua aparência repelisse até o gelo que caía sob a forma de algodão frio.
Fechou os olhos novamente, respirando fundo. Também queria recordar os cheiros e os sons. Agora que a morte estava tão perto, era fácil amar tudo em redor.
Entrou e voltou a deixar-se cair na poltrona, fazendo-a ranger sob o peso do seu monstruoso corpo.
Agarrou o espelho mágico mas não lhe perguntou coisa alguma, limitou-se a fixar o seu reflexo, procurando nele qualquer réstia de humanidade. Não a encontrou. Já não era um homem! Questionava-se agora se algum dia o fora…
A voz da feiticeira estava ainda gravada na sua mente. Amor… como podia ela pedir que ele aprendesse a amar ou fosse amado? O amor estava em vias de extinção e ninguém se havia de apaixonar por alguém com o seu aspecto. “Por um monstro!”, acrescentou para si.
Com uma raiva desmedida, atirou o espelho contra a parede, fazendo-o partir-se em mil pedaços.
Pela primeira vez desde que se lembrava, sentia um ardor estranho no nariz e apetecia-lhe chorar. Cerrou os dentes, forçando-se a parar de ser racional. Era uma besta, não uma pessoa. Não era altura de se reger pelos sentimentos em detrimento dos instintos.
A última pétala caiu. Demorou mais do que a outra. Ondeou pelo ar, dançando como se troçasse da dor que dava àquela fera. Ele respirou fundo pela última vez e depois caiu. Uma gota de água salgada percorreu-lhe o pêlo e caiu consigo. Todos os objectos encantados do palácio se imobilizaram. Um segundo depois, todos eles desapareceram juntamente com o Monstro, deixando no ar apenas pó, iluminado pelo sol nascente daquele dia.
O palácio mergulhara em silêncio e cheirava a morte, apesar de nenhum ser vivo ter sensibilidade bastante para o detectar. A fera morrera e a rosa murchara.
Foi então que o portão chiou. Não era aberto há mais de cem anos.
Uma rapariguinha do campo entrou, destapando a cabeça. Era de uma beleza estonteante. Tez pálida, lábios cor de cereja, olhos castanhos e abertos, esperançosos. Fitou o palácio com curiosidade e entrou a medo.
Estava totalmente deserto…
Imaginou-se num conto de fadas. “Princesa Bela”, murmurou para si mesma, sorrindo. Era fácil imaginar-se assim, era uma sonhadora presa a histórias irreais de livros de fantasia.
Rodopiou sobre si mesma e depois tornou a sair, sabendo como era ridículo imaginar que aquele velho palácio abandonado e a cair aos bocados podia, alguma vez, ser parte de uma história de encantar, como as dos seus livros.
Era o seu conto de fadas… mas ela chegara tarde demais.
É sempre assim! Toda a gente chega tarde demais. Toda a gente parte demasiado cedo. E os homens morrem como monstros. Sozinhos. Sem amor. Totalmente sozinhos.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

domingo, 28 de junho de 2009

Saudade

Abri a porta e a janela, depois sentei-me no chão com a cabeça entre os joelhos. Precisava de ar. Sentia a garganta apertada. O desejo demasiado profundo de me enterrar na minha própria dor para a transformar noutra coisa qualquer parecia queimar-me a pele.
Respirei fundo, sentindo o meu coração ripostar. “A culpa não é minha” – gritavam os meus olhos fechados sem que uma lágrima os preenchesse. E foi então que a senti entrar. Sorrateiramente, como se tivesse medo de acordar os meus sentidos dormentes ou de atiçar simplesmente a minha fúria. Entrou lentamente, pé ante pé, demorando dois segundos a compreender que eu sabia que ela estava ali.
“Estás atrasada” – rosnei-lhe. E ela baixou a cabeça, sem contestar as minhas palavras. O vazio da sua resposta era o silêncio de sempre. Senti o ódio percorrer-me as veias, como se pudesse chegar a todo o lado e preencher cada célula do meu corpo.
Então, suavemente, ela aproximou-se sem que eu a detivesse e fundiu-se em mim. A dor que senti quando o fez foi excruciante, como se um ferro em brasa me marcasse vez após vez, como se me baleassem repetidamente e me arrastassem por um chão de pedras afiadas. Como se a vergonha viesse juntar-se à sensação de estar a ser torturada e se misturasse ainda com a impotência de não poder gritar.
“A culpa não é minha” – repetia em pensamento. Não compreendia porque é que a saudade tinha saído da minha vida, por que motivo decidira voltar agora, só agora…
Percorreu-me a expressão o grito mudo de saber que aquela dor podia ser ainda maior e, nesse lapso de sanidade, ela piorou. A saudade queimava-me, a dor tolhia-me os sentidos e ainda podia ser pior porque a minha consciência procurava focar-se na única coisa boa que sobrava na minha vida: amar-te.
E amar-te aumentava a saudade e ela queimava mais e mais, como se não fosse o suficiente. A corrente de ar que passava por mim não ajudava. Já não conseguia lutar mais. Já não conseguia respirar.
“A culpa não é minha!” – gritei por fim para que ela me ouvisse. Os olhos secos contrastavam com a tez pálida da minha dor que não parava nem abrandava um pouco. A saudade, no entanto, já se tinha alojado em mim, tomado de assalto o meu corpo… e ela queria que eu chorasse. Abanei a cabeça a custo, respondendo aos seus desejos. “Estás atrasada… a culpa não é minha!”
A porta bateu violentamente quando o vento soprou mais intenso. Por mais forte que fosse a saudade ela não era mais forte que o meu amor. Não era mais forte que as minhas promessas e não era mais forte que as minhas palavras quando um dia, há muito tempo atrás, os meus lábios, ávidos dos teus beijos, deixaram escapar a frase “Eu prometo que não choro…”

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Peças Soltas

Vá lá… não tem mal nenhum! Vamos fazer de conta que somos crianças. Que não temos responsabilidades nem horários. Que tu não precisas de sair agora para ir trabalhar e eu não preciso de ir tratar das minhas coisas. Vamos fingir que não temos nada para fazer além de prestar atenção um ao outro, está bem?
Sentamo-nos no chão de pernas entrelaçadas uma na outra, frente a frente. Eu mexo desajeitadamente no cabelo, enrolando-o no dedo com a típica desatenção de quem pensa no que jogar a seguir e tu ris da minha incoerência sem sequer saberes que é isso que te leva a rir.
Então, fingimos que não sabemos nada um do outro. Pode ser? Eu conto-te um sonho meu e tu contas-me um teu, depois eu conto-te um segredo e tu fazes o mesmo. Podemos começar pelas coisas mais simples. A tua cor favorita, o que mais gostas de fazer, qual é o teu clube de futebol… mas tu sabes que são só dois segundos até eu saber quais são os teus medos, de que é que te arrependes mais na tua vida, o que gostavas de ter feito e não fizeste (e porque não fizeste!).
É verdade que também o saberás de mim. Fragmentos do meu passado juntos num puzzle indefinido de milhares de peças. E há aquelas que nunca encaixam, não há? Acontece-me o mesmo quando penso em ti.
Quando dermos por nós, esta corrida louca e ingénua ao passado terá sido o maior erro de sempre mas, ainda assim, prefiro arriscar. Quero saber quem és! Quero saber porque é que olho para ti com olhos-estrela, porque é que me fazes sentir tão feliz.
E eu vou-te pintar de negro e roxo, as minhas cores favoritas enquanto faço o que gosto mais e imagino um futuro para nós. Não entenderás os meus medos nem as coisas de que me arrependo mais porque não sabes que elas só poderão existir depois de ti.
Quando te levantares e acabar este jogo. Quando conheceres de mim mais do que toda a gente e eu conhecer de ti mais do que devia, vai ser aí que as minhas peças soltas te vão começar a incomodar e que as tuas peças soltas vão começar a encaixar erradamente em todo o lado.
Quando acabar o jogo e tu já não estiveres sequer para te sentares comigo e fingires que somos crianças, vai ser aí que eu vou compreender que cada uma dessas peças a que não dei importância faziam parte do teu puzzle e jamais poderiam fazer parte do meu.
Mas hoje eu quero entender porque é que te olho com olhos-estrela. Quero saber porque é que me sinto tão feliz quando olho para ti.
Vá lá! Conta-me um segredo que eu conto-te um meu e não digo a ninguém o que me contares… não tem mal nenhum sermos crianças uma vez mais neste mundo onde crescer é a única coisa que parece realmente errada.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

sábado, 9 de maio de 2009

Lágrimas de Pedra II


Hoje, percorri ruas e vielas. Não era a mesma solidão. Já não era a solidão de não haver mais do que ilusões e desilusões na minha vida! Era a solidão deixada pela própria solidão, a ausência desse sentimento que sempre me fez odiar o ar que respirava.
Hoje, cheguei até ti vestida de enganos e de certezas, vestida de orgulho e de esperança. E levaste os meus medos para um qualquer lugar onde jamais poderia chegar sozinha.
Esta noite, ao contrário de tantas noites, tu olhaste para mim e fizeste-me uma vénia. Os teus olhos de pedra estiveram mais perto do que nunca, a tua mão tocou o chão para me cumprimentar. Amei-te mesmo depois de terem manchado a tua fachada. Descobri que te amaria ainda que fizessem contigo as maiores barbaridades e então sorri porque é bom ainda te amar depois de tudo o que se passou…
Calou-se a multidão a teus pés e cantou-se o fado. Cantou-se a beleza, o amor e saudade. As tuas lágrimas de pedra caíram, invisíveis para todas aquelas pessoas, mas eu vi-as. Vi-as quando as guitarras começaram a tocar e quando o meu orgulho e a minha esperança passaram o meu ombro esquerdo e a minha capa foi finalmente traçada.
Senti finalmente que uma era se acabava para outra começar. E ouvi a tua voz uma vez mais, dizendo que eu ia a tempo de mudar o rumo do mundo e que fechar os olhos por um tempo não significava que não pudesse abri-los para ver tudo de forma mais clara.
Então, de capa já traçada, olhei para ti e apercebi-me de que eu era muito pequena e que a vida era grande demais para a perder numa tristeza sem razão.
Não sei se foi pelas palavras finalmente ouvidas, pelos teus olhos pousados em mim ou se foi simplesmente pela minha capa negra finalmente traçada mas senti-me feliz. Realmente feliz. Aquela felicidade completa e única que é tão rara nesta vida.
Talvez o mundo me tenha levado por caminhos errados (tortuosos, até). Ou talvez não tenha sido o mundo. Admito: talvez tenha sido eu própria a culpada dos meus caminhos! Mas esses caminhos errados levaram-me justamente para o ponto de partida. Cheguei a casa. Não sei definir como gosto de voltar finalmente para casa! Gosto de sentir finalmente que sei onde está o meu lar. E se agora me sinto assim, não terão valido a pena todos os meus erros?
As tuas lágrimas de pedra nunca vão secar, da mesma forma que algumas partes de mim continuarão infinitamente maculadas. Tu e eu temos a eternidade. Temos a maravilhosa certeza de que é para sempre! - Tu tens os teus olhos de pedra, os teus abençoados olhos que ano após ano podem presenciar as reacções de pessoas que traçam a capa pela primeira vez, olhos que podem ter um vislumbre de paixão em mil gestos para depois verem num simples olhar o verdadeiro amor. E eu, eu terei sempre esse olhar, esse olhar agora livre de grandes gestos que não valem nada, mas repletos de sensatez e de maturidade.
Cheguei a ti, nua de tristeza e amargura. Foi a primeira vez que me olhaste e viste que eu sorria. Foi a primeira vez que acreditaste na minha expressão alegre. Foi a primeira vez que conseguiste acreditar quando afirmei não ser apenas tua.
E eu ouço a tua voz, como antes ouvia. Falas-me durante alguns minutos, fazendo-me corar um pouco com algumas expressões que, de tão reais, me fazem sentir embaraçada. De súbito a música pára e tu calas-te respeitosamente. Então, ergo o meu tricórnio no ar em vez de bater palmas (afinal, não se aplaude o fado), agito-o levemente num agradecimento mútuo ao fadista que me fez pensar, aos amigos que mataram a minha solidão, às palavras que acalmaram a minha saudade, à madrinha que traçou a capa negra do meu traje minhoto e a ti, meu abrigo, que estiveste aí uma vez mais, olhando para mim por entre a multidão e vendo-me vestida de orgulho e de alegria.
A lua estava cheia e ia alta no céu um pouco nublado. O fado recomeçou e eu vim embora, saciada. Silêncio… ouçam apenas o silêncio agora! Porque é música aos meus ouvidos o bater satisfeito do meu coração!

Marina Ferraz

8 de Maio de 2009
Serenata

quinta-feira, 30 de abril de 2009

As tuas ilusões


As tuas ilusões cansam-me. É como se ouvir as tuas palavras carregadas de sonhos e projectos me fizesse compreender quão superficiais são os meus próprios desejos.
Tu queres tanta coisa! Queres a casa grande no topo da montanha, com vista para um mar sem fim. Queres as viagens e os hotéis e os jantares em casa de familiares e amigos.
Tu queres acordar, olhar ao espelho e acreditar que o teu reflexo é o único reflexo nítido que há no mundo. Queres um elogio quando te arranjas um pouco mais antes de saíres de casa.
Queres ser o melhor entre os melhores, deixar para trás o brilho do teu sorriso e cativar milhões com um olhar ou uma palavra fugaz.
Tu queres o mundo, queres o Universo, queres o que está para além do Universo.
As tuas ilusões cansam-me porque a única coisa que quero é ter-te perto. Quero de volta a pessoa que apenas queria o que eu queria: o Tudo que era termos um do outro mais do que se pode comprar ou receber.
Tu queres as certezas e as incertezas. Queres as festas e os bailes e as pessoas. Queres ser mais do que tu e mais do que eu e até mais do que nós.
Não sei dizer-te como me magoa saber que queres ser mais do que nós… Eu daria a vida apenas para conseguirmos ser o que já fomos.
Falas-me dos teus sonhos e eu apoio-te. Apoio-te porque é a única coisa que posso fazer. Sei que estou a abrir-te a porta para ires embora da minha vida. Tu nem reparas…
As tuas ilusões cansam-me. Cansa-me tentar que me vejas e ser invisível ainda que me digas a cada dois segundos quão fantástico poderá ser o nosso futuro. Cansa-me ouvir-te falar de dias que nunca hão-de chegar. Cansa-me ter de esconder a sonhadora que sempre fui e pousar os pés na terra para que ao menos um de nós tente viver a realidade.
Cansa-me tanto! Cansa-me tanto sonhar apenas contigo, sonhar apenas em manter o pouco que tenho. Cansa-me tanto ouvir-te pedir demais e ter de ser tua aliada nessa guerra que travas com um destino que já nos foi favorável.
Cansam-me as tuas ilusões e ainda mais os meus medos. Assusta-me a ideia de te ver realizar tudo o que queres - não posso negá-lo! Já não mereço o que és agora, algum dia seria capaz de merecer-te se fosses tudo isso?
As tuas ilusões cansam-me. Cansam-me mais do que estou disposta a admitir, mais do que saberia dizer-te. Mas, por favor, não deixes de sonhar nem de me dizer que queres ser maior que tudo! Nunca pares de lutar para seres melhor. Eu sou a pequenina parte do Universo que já conquistaste. Não posso ansiar que sejas apenas meu! Voa. Eu ficarei aqui para te agarrar se um dia caíres… e, se não caíres, serei sempre a pessoa que ouviu os teus sonhos. Terei orgulho de ser essa pessoa ainda que, depois, não arranjes um espacinho para mim dentro do teu perfeito coração.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

quinta-feira, 26 de março de 2009

“Fica para amanhã”

Hoje a agenda está cheia. Não tenho um minuto para te dizer o quanto gosto de ti. Hoje não posso amar-te, não tenho tempo para sentir. Tenta entender. Os dias repetem-se. Todos os anos. Seguidos naquela lógica infernal: mês, semana, dia, hora…
Tenho repletas as páginas da minha agenda. Compreende, amor. Hoje não posso, como ontem não pude e antes também não. Não tenho tempo para essas coisas…
Ontem, tinha posto na agenda que às dez horas e um minuto da manhã, naquele minutinho exacto, ia pensar em ti. Ia pensar que te amava. Se tivesse tempo suficiente, mandar uma mensagem só a dizer que te quero, que te amo, que és tudo na minha vida. Mas ontem, logo ontem, o relógio parou às dez horas e não te dei um pensamento. Nem me lembrei! Tenta entender!
Há quanto tempo adiámos o nosso almoço para “amanhã”? Já não me lembro! Uns meses? Uns anos? “Fica para amanhã, então” – lembro-me de dizer e tu suspiraste, o suspiro soou triste e replicaste apenas “Sim, amanhã…” Há quanto tempo foi isso?
Hoje a agenda está cheia. A agenda está cheia e eu estou cansada. Como um ser automático sigo as ordens que as palavras rabiscadas nas folhas numeradas me indicam. Como não tenho um minuto livre para pensar, o relógio avança, devagar é certo, mas avança…
O nosso almoço está marcado para “amanhã”. O amanhã é o dia que está depois do dia que é sempre o “hoje”. O amanhã está sempre a um dia de distância e nunca chega… Mas “amanhã” estarei contigo.
Às vezes questiono-me porque não entendes. Porque não vês que tem de ser assim? Se eu tivesse um minuto, ele seria teu. Amo-te tanto!
Tenho marcadas na minha agenda as seis horas que vou dormir. Já devia ter adormecido por agora! Não posso atrasar-me amanhã. Mas agora tenho a cabeça cheia e ninguém para me ouvir. Os olhos preenchem-se de lágrimas que não verto e adormeço assim.
Às seis em ponto o despertador toca. Levanto-me e olho a agenda. Hoje a agenda está cheia. Não tenho tempo para te ver, quanto mais para me sentar e almoçar contigo. Tenho saudades tuas mas tenta entender… não posso! Fica para amanhã… está bem?

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Gostava

Gostava que aceitasses um bocadinho da minha alma porque o meu coração não me pertence e não tenho mais nada que possa dar-te.
Gostava que a aceitasses e a guardasses no bolso, juntamente com as memórias que atabalhoadamente fechaste, querendo esquecer e julgando ser possível fazê-lo.
Por entre as sombras do olvido, nos vales tenebrosos do silêncio, dou por mim a pensar. Penso que gostava que soubesses que a minha vida está vazia desde que não fazes parte dela e que aquele pedacinho da minha alma, o mesmo que queria dar-te, vagueia por aí, à espera que o encontres e o guardes no bolso.
Desejo que, cada vez que penso em ti, o sintas na pele e isso te faça feliz. Pouco me importa se essa felicidade vem de uma espécie de amor ou de um desejo de vingança. Porque, se te sentisses feliz cada vez que penso em ti, sentir-te-ias feliz a tempo inteiro. E que doce vingança seria ser triste sabendo-te feliz!
Não vou dizer que a tua felicidade seria o bastante para me tornar igualmente feliz mas não tenho medo de afirmar que ela me faria ser menos triste.
Por tudo isto, gostava que aceitasses um bocadinho da minha alma e a guardasses. Quem me dera poder dar-te também o meu coração e a minha vida…
Porque, estupidamente, não tenho medo de sofrer e isso faz-me feliz. Não precisei de fugir de ti nem de te evitar. Não precisei de falsos moralismos! Então, em vez de amar-te, pude viver-te. E se pudesses aceitar aquele pedacinho da minha alma, saberias que nem toda a felicidade do mundo seria melhor do que chegar ao momento em que te quis dar a minha alma, sabendo que o coração já tinha sido quebrado e esquecido no fundo de uma gaveta.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Segredo


Foi em segredo que escrevi o meu primeiro poema. Os meus primeiros versos eram feitos de um sorriso intemporal e quente a rasgar o meu rosto de criança. Tinha uma vida para viver. Mil desgostos à minha espera. Muitos mais poemas para me afogar.
Então, foi em segredo que segui a vida. E foi em segredo que compreendi que um poeta nunca aprende a ser verdadeiramente feliz.
Com um medo apenas superado por uma insanidade crescente, foi em segredo que guardei a minha suposta felicidade dentro de uma caixinha de jóias e foi em segredo que a selei para que os meus poucos momentos felizes não pudessem fugir de mim ou ser-me roubados.
Foi em segredo que me apaixonei e foi num segredo ainda maior que dei por mim a quebrar a minha caixinha e a oferecer-te a minha felicidade como se conhecer-te bastasse e já não precisasse de mais nada para poder sorrir. Nunca te apercebeste que ta oferecera porque foi em segredo que ta deixei no bolso, durante aquele abraço que nem te recordas de me teres dado mas que tinha mil promessas que apenas eu podia ouvir.
Foi em segredo que te vi virar costas e transformares o meu mundo num mundo que já não me pertencia, e foi o maior dos segredos a minha certeza de que, ainda que dissesses o contrário, não voltarias àquele lugar.
Imersa no silêncio dos murmúrios de um pensamento, foi sozinha e em segredo que compreendi e aceitei o que não tinha como ser compreendido ou aceite, e foi em segredo que limpei as lágrimas e ergui a cabeça.
Foi em segredo que rezei por ti, desejando que a minha felicidade ainda estivesse guardada no teu bolso e que nunca dele saísse. Foi em segredo que agradeci aos céus por te ter conhecido e que desejei que houvesse nos teus lábios um sorriso igual ao que ofereci ao espelho depois de escrever, em segredo, o meu primeiro poema.
Foi em segredo que adormeci sem vontade de acordar e foi em segredo que me entreguei a sonhos proibidos. E os meus olhos, sem lágrimas ou melancolia, fizeram-me acordar disposta a enfrentar um mundo onde eu já não queria estar.
Então, foi em segredo que encolhi os ombros, agarrei a caneta e escrevi um poema de amor. Foi um poema triste. Um poema sobre o silêncio e a saudade. Um poema sobre todos os segredos que a minha alma guarda e que jamais quebrará. E foi em segredo que continuei a respirar sem viver, pensando num breve sorriso que a única coisa realmente certa que fiz na vida foi deixar no teu bolso a parca felicidade que guardara e escrever um poema que, mais do que palavras, carrega todos os segredos do meu coração.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet