segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O tempo do tempo


"Estar contigo ou não estar contigo é a medida do meu tempo." (Jorge Luís Borges)

Os minutos passaram, no compasso inadiável do relógio. Os minutos eram feitos de segundos. Os segundos foram séculos. Tu não estavas. E o tic-tac dos ponteiros ecoava lentamente pelos corredores, atormentando os recantos de mim com perguntas que não podem ser formuladas.
Avancei na escuridão do tempo. Apenas eu. Os ponteiros não se moviam com a prontidão louca da minha mente. Ter saudades era parar o tempo. E o tempo, fiel a princípios relativos, arrastou-se na minha saudade, cantando uma canção que não ouviste. Uma canção que pedia por ti, para me animares a alma e os ponteiros do relógio, então quase parado.
Devagarinho, como se tivessem medo do segundo a seguir, os ponteiros moveram-se. Levaram dias a passar uma só hora. Troçaram de mim. Mas eu não fiz caso. Olhei para cada movimento cortante dos ponteiros negros. Fixei cada oscilar do velho pêndulo. Ouvi cada "tic", cada "tac", separados por um infinito de segundos, como se os sons não quisessem juntar-se num ritmo lógico e real. Eles não queriam tocar as badaladas nem dar um pouco de paz à minha alma que se quebrava no parar do tempo.
Os minutos passaram. Eram feitos de segundos que duraram séculos. Tu não estavas. Eu não estava em mim. O tempo não avançava. E a alma, de massacrada pela distância, disse à saudade que olhasse para o nosso passado e não para um presente onde o relógio, quase parado, se recusava a trazer-me um futuro onde estivesses.
Lentamente, passo a passo, com movimentos que podiam nem se notar, o relógio deixou chegar, ao fim de eternidades de loucura, o momento de te ver. E, em tocando as badaladas, os teus passos trouxeram o animo que faltava. Sorri. A saudade morreu e eu sorri. A saudade morreu e o relógio avançou.
Os minutos passaram, no compasso inadiável do relógio. Os minutos eram feitos de segundos. Os segundos foram milésimas de segundo. Tu estavas. E o tic-tac dos ponteiros ecoava pelos corredores, numa correria louca, como se quisessem chegar primeiro, sei lá eu aonde.
Sem demoras, o tempo avançou, numa lógica irrealista que transformava alvoradas em pores do sol e noites sem estrelas em manhãs enevoadas. Correu. O tempo não soube andar. Correu. Tinha pressa, sei lá porquê. Amar era avançar o tempo. Tu estavas.
Entre os dias que pareceram segundos, chegou a hora do amor ser saudade. Chegou a hora do tempo adormecer. E chegou o momento em que um "adeus" apressado fazia os ponteiros parar a corrida rumo ao futuro para passarem a demorar-se, outra vez, na espera interminável do amanhã.
Foi entre as horas que passaram num bater de coração porque tu estavas e as horas que duraram eternidades na tua ausência que eu construí uma verdade sobre o tempo. E a verdade é esta: É o amor que move os ponteiros. É a saudade que os pára ou os demora. E és tu que me moves nesses tempos em que o tempo passa. Se ele passa depressa ou devagar, é uma incógnita que se desfaz em poeira. O tempo avança num ritmo que não é nosso. E não podemos detê-lo nem acelerá-lo. Mas temos tempo para o tempo. E, por entre essas horas que passaram num só segundo, já criámos eternidades que ninguém nos pode roubar.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet


terça-feira, 19 de novembro de 2013

Única maneira


É a única maneira de amar. Assim. Completamente. Loucamente. Incondicionalmente. É a única maneira de amar.
Poderia haver outras, é claro. Intermédios entre tudo e nada. Graus de amor. Esquemas e calendários. Mas se escolhermos amar mais ou amar menos. Amar apenas nas horas em que dá jeito. Amar apenas quando é bom. Se escolhermos esse amor que se mede e se converte em mil medidas de insensatez, então escolhemos um não amor. Escolhemos não amar. Escolhemos gastar do uso essa palavra, até a esvaziar de tudo o que lhe dá sentido, deixando-a oca e desbotada pelos lábios que não traduzem a alma. 
É assim! Infinitamente. Tanto que se funde em nós, nos arrebata, nos corre no sangue. Tanto que confiamos os dias, confiamos a alma, confiamos a vida. Tanto que a ideia da ausência seja mais dolorosa do que a ideia da morte. É essa a única maneira de amar.
O amor não nasce para ser simples. Não chega para ser linear. Não nos é posto na mão para ser moldado consoante o que nos aprouver. Ele vem, às vezes de onde não o víamos, às vezes de onde nem existia e complica todo um universo dentro de nós. Não é fácil mas vale a pena. Justamente porque é completo e louco e incondicional. Porque não há outro tipo de amor, além desse que se estende e fica. Porque não há outro amor além desse que é bipolar e ora fere, ora cura, ora magoa, ora acalma...
É a única maneira de amar. Assim. Com os sentidos do corpo que deseja. Com os sentidos do coração que acelera. Com os sentidos da alma que se funde noutra para estar completa. É a única maneira de amar. Aquela em que o amor, mais do que amor, se transforma em vida. Aquela em que nos esquecemos de como seria o mundo, se a pessoa amada não estivesse ali. Aquela em que estamos certos de que, em estando sós, o destino será pior do que o fim perpétuo dos dias.
Seria simples compor a ideia de que há outras formas de amar. Inventar que podemos amar às vezes. Inventar que podemos marcar na agenda o dia e a hora do amor. Que podemos sincronizar os desejos e gastá-los todos num tempinho livre que surge aqui e além. Supor que poderíamos amar mais amanhã do que hoje, mais no mês que vem do que no mês passado. Que podemos oscilar os sentimentos, amar mais quando o amor, mais do que um anseio, se torna uma necessidade.
Mas o amor é fome e paixão e entendimento. É sincronismo, simultaneidade, compreensão. É estar unido e ser uno. É dar e receber, ouvir e falar. É estar completo na partilha e ser-se feliz mesmo quando dói. Amar é não estar só. Porque quem ama tem sempre o amor consigo. É esta a única maneira de amar.
Plenamente. Irracionalmente. Sem definições. Sem normas explicativas. Sem pensamentos mudos. Sem palavras forçadas. Simples como a complexidade do mundo. Só há uma maneira de amar. Apenas uma. Esta. De coração, com toda a força da alma e para sempre.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Contigo



Pode ser uma lagoa ou uma praia ou um coreto. Pode ser o meio da rua, uma esquina qualquer, um banquinho de jardim já meio sem cor. Pode ser o topo da montanha, o vale mais profundo, a floresta mais inóspita. Pode ser uma cascata ou uma cidade suja, com casas cinzentas e pessoas cinzentas a viverem meias vidas. Pode ser um trilho por explorar ou uma ponte de betão. Não me importa aonde. Eu só quero estar contigo.
Já andei por entre flores sem ver mais do que o negrume da cidade. E já nadei em águas correntes sem sentir mais do que o frio e a vontade da morte. Já caminhei junto ao mar, desejando que o céu se abatesse. O lugar onde nós estamos realmente é o que fica dentro da alma. Não gosto do mundo sem ti. O mundo sem ti pode ter praias e cascatas e florestas. Mas não tem alma, não tem vida, não tem cor.
Por isso, pode ser aqui, pode ser aí, pode ser num lugar que não seja teu nem meu. Pode ser além da distância, por entre a podridão ou no centro da mais pura das essências. Não me importa aonde. Eu só quero estar contigo.
Não há mapas que me levem até ti. Mas olhando para encruzilhadas e caminhos, compreendo que és o único local onde quero estar. Há mais do que lagoas e praias e coretos no teu abraço. O teu abraço tem constelações e galáxias e universos que ficam além do universo. O teu abraço tem poemas que ainda não foram escritos e desejos de fazer corar as fadas que se escondem nos bosques da minha imaginação. Não me importa aonde. Eu só quero estar contigo.
Já andei por entre a desgraça de uma vida sem a notar. Já conheci terras que se amontoaram num sem fim de não-memórias. Mas notei-te a ti e guardei-te, qual história de encantar, no recanto mais explorado da minha mente. E relembro, como um filme, cada pormenor insensato de ti, como se gravar-te assim dentro do peito pudesse trazer-te de volta aos locais onde já não estamos. Não estamos mas eu quero estar. Num lugar qualquer. Não me importa aonde. Eu só quero estar contigo.
E ficam as ruas gastas dos meus passos vazios, à medida que avanço, sem pegadas nem alento. As pedras da calçada perguntam-me a onde vou. E, sorrindo-lhes, eu respondo que não sei. Onde vou? O que importa qual o destino dos meus passos? Avanço para ti. E não me importa aonde... eu só quero estar contigo!

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Até amanhã



Disseste "vá, até amanhã". Casualmente. Como se a distância entre o hoje e o dia seguinte fosse um salto comum e óbvio. Mas não era. Eu sabia. Tu também. O teu amanhã não se tratava do dia que vinha a seguir. Lembro-me de pensar "não te vejo mais". Lembro-me de o pensar, cheia de certezas, enquanto repetias "até amanhã, até amanhã".
Disseste-o, sem pensar, andando às arrecuas na direcção do carro. E tinhas os olhos vazios, enquanto as mãos seguravam a chave com a força da decisão da partida. Mas eu tinha lágrimas nos olhos e tu tinhas pena de mim. Porque é que tinhas pena de mim? Não sou digna de dó. Eram só lágrimas, nas imediações do olhar, recusando a queda. Mas bastaram. Bastaram para que olhasses para mim e me dissesses, andando atabalhoadamente na direcção do teu carro "vá, até amanhã".
Havia uma promessa implícita nas tuas palavras. "Não vou a lado nenhum", dizia essa promessa de amanhãs. Mas estavas a ir. Deste conta que estavas a ir? Prometias-me uma presença enquanto avançavas para uma distância segura, onde não podia agarrar-te nos braços ou selar qualquer promessa com um beijo. Estavas a ir. Na promessa ousada de que não irias jamais, estavas a ir. Afastavas-te de mim, passo a passo, com medo de voltares as costas pela ideia de que eu poderia chorar se o fizesses. E se chorasse? Ficarias se eu chorasse? Era disso que tinhas medo? De ficar?
"Até amanhã, até amanhã". O teu olhar vazio preso em mim não tinha a mais pequena nuance do sentir. E, enquanto te afastavas, notava que ele ganhava luz, como se eu fosse sombra e te roubasse o sol. Mas ias dizendo "até amanhã". Porquê?
Não ias simplesmente, com a naturalidade de um amanhã. Fugias. Era isso que fazias, enquanto me abandonavas no passeio e me dizias "até amanhã", com o mesmo desapego com o qual se pisa uma pedra da calçada. E, fugindo, avançavas na direcção dos sonhos que não podias cultivar no meu negrume.
Alcançaste o carro e sorriste. "Até amanhã", atiraste-me, ao abrires o vidro. E eu respondi-te o mesmo. De lágrimas nos olhos mas com um sorriso no rosto, ouvi os meus lábios descrentes dizerem "até amanhã".
E depois o carro partiu e eu fiquei. Sombra entre pedras da calçada, murmurando entre dentes: "adeus, sei que não te vejo mais".

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet


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