terça-feira, 26 de março de 2013

Não leias este texto



Este é um texto que prefiro que não leias. Tenho muitos, é claro, que gostaria que evitasses, que ignorasses, que não visses. Mas este, este digo-te desde já: prefiro que não o leias.
Tenho medo que, se o leres, não possas olhar da mesma maneira para ti e para mim e para o mundo. Estou a tentar proteger-te. Não o leias...
Neste texto quero contar as tuas maravilhas. A maravilha dos teus sorrisos ou dos olhares sérios que se perdem e voam além dos horizontes do visível, para irem acordar os fantasmas das ilusões sadias. A maravilha das tuas mãos leves e calejadas, feitas para amar, feitas para ferir, feitas para serem a dualidade da existência. Quero falar sobre o teu rosto. O teu rosto sem simetrias perfeitas, sem belezas inigualáveis mas que marca e fixa e prende. O teu rosto que tem uma subtileza fria de ausências e abstracções.
É muito difícil descrever-te. Não sou espelho. Não sou lente. Não sou objectiva  Vejo-te através de um olhar cego de perfeições. De perfeições que começam no teu rosto, no teu sorriso, nas tuas mãos...
Sinto-me pássaro preso. Sinto-me ser sem vontade. Sinto-me só de te ver como não te vês. De te ver como ninguém te vê.
És assim: a lua, quando está cheia. O mar, quando está bravo. O vento, quando está forte. És assim: o dia, quando amanhece. O sol, quando vai alto. A saudade, quando te vais.
Este é um texto que não queria que lesses. Preferia que pensasses em ti nos moldes da insensatez, como se tudo estivesse errado e fosses apenas mais um dos erros do mundo. Mas tu estás certo. Por mais que eu quisesse que te visses nessa redução que te tornava igual a mim. Tu estás certo. Certo como a brisa nos dias mais quentes de Verão. Certo como o sol nos dias mais frios de Inverno.
Agora que o sabes, eu aprendi. Tu vais. Vais onde eu não posso ir, com alguém que não sou eu. Vais rumar à felicidade porque a mereces mais do que ninguém. E, acredita, eu desejo-te o melhor do mundo. Mas, egoistamente, quem me dera que não soubesses quão bonito és. Quem me dera que não tivesses lido este texto.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

segunda-feira, 18 de março de 2013

Riscos




É um risco. Eu sei que é. Não passa de uma brincadeira sem piada que só faz sentido para mim. Mas, contigo, eu corro o risco. Corro o risco porque quero que me vejas.
Conheces-me de sandálias e sapatilhas, sem maquilhagem, com o cabelo meio despenteado e a roupa casual, do dia a dia. Para ti, eu não visto vestidinhos nem camisolas de festa. Para ti eu não passo horas em frente ao espelho, em busca da perfeição. Para ti eu não calço os saltos altos.
Conheces-me de rosto corado, de lágrimas nos olhos, de risos fora de contexto ou sem razão. Conheces-me assim porque, para ti, eu não me modero, não me reprimo, não finjo estar mal ou bem.
Conheces-me nas conversas chatas sobre obsessões pelo trabalho, esperanças para o futuro, crenças ancoradas em irrealismo. Contigo, eu não falo sobre o dia de hoje, não me perco em justificações do passado, não finjo que sou a miúda das festas e do glamour.
Conheces-me no medo da perda, no terror do silêncio, na impossibilidade do adeus. Para ti, eu não visto o disfarce, eu não me faço de forte, eu não me finjo desprendida. Contigo, eu não sou mais do que a menina por detrás da máscara de independência, da muralha de força. Frágil e magoada, sem motivos nem porquês.
Conheces-me no admitir das preferências, na confissão das falhas e dos erros, nas conversas sobre os arrependimentos sós que flutuam na minha memória. Contigo, eu não falo das qualidades mais do que dos defeitos nem enalteço as vitórias acima dos erros. Contigo eu sublinho o que há de negro em mim.
E é um risco. Eu sei que é. Não passa de uma brincadeira sem piada que só faz sentido para mim. Mas, contigo, eu corro o risco. Corro o risco porque quero que me vejas. Porque, um dia, quero ser a pessoa que acorda despenteada ao pé de ti e que veste roupa casual. Corro o risco porque quero que me conheças o rosto corado, os risos, as lágrimas. Corro o risco porque quero partilhar contigo conversas sobre o trabalho e sobre o nosso futuro. 
Não quero ser, para ti, mais uma menina bonita de conversas fúteis. Quero que saibas o que quero, as coisas em que acredito. Quero que saibas que também caio, que também erro, que não sou forte a tempo inteiro.
Contigo, eu corro o risco. Corro o risco de ser eu sem barreiras. Corro o risco de ser o pior de mim. Corro o risco porque não quero ser para ti só um momento. Corro o risco porque, se não me amares assim, não poderás amar-me para sempre.


Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

terça-feira, 12 de março de 2013

O último capítulo



"Quero tornar-me igual aos homens que não acreditam em encantos e que não escrevem versos. Vou queimar todos os meus livros..."
Sophia de Mello Breyner in "A fada Oriana"



Um dia, a inspiração não veio para me encantar as noites. Abandonou em mim a poetisa. Libertou-me da amargura das palavras. A sua ausência ecoou em folhas brancas. E as corujas cantaram, noite fora, uma balada de decepção.
Um dia, a inspiração não veio construir castelos nas nuvens do meu pensamento. E o luar ondeou nas águas bravas do oceano distante, à medida que eu pousava a caneta e a vontade de viver.
Um dia, a inspiração deixou-me sozinha com as paredes nuas da casa. Na solidão inquebrável de uma eternidade vazia. E eu olhei, desesperada, para as folhas escritas de outrora. Pudessem elas ser novas companhias ou eternas companheiras de viagem.
No dia em que a inspiração não veio, falei sozinha, com os meus botões. E aguardei respostas às perguntas, como se os objectos do quarto pudessem animar-se e falar comigo sobre as maravilhas do mundo. Mas a única resposta foi o silêncio. Um silêncio sem amores nem magia. Um silêncio claro e inquebrável, de sabor azedo e aroma pestilento. O silêncio magoou-me no dia em que a inspiração não veio.
Dizem pelas ruas que os poetas são loucos. Loucos disfarçados de videntes cegos, que conhecessem as profundezas de cada ser humano. Loucos disfarçados de artistas que pintam com rimas as auroras mais belas da existência do mundo. No dia em que a inspiração não veio, eu não fui poeta mas apenas loucura. E, imersa nas lagoas da insanidade, dei por mim a rasgar as folhas velhas, como se quisesse soltar as palavras, tomá-las em mim, possuí-las outra vez.
Um dia a inspiração não veio. E eu pensei, entre paredes nuas e objectos inanimados que podia agora viver uma vida. Uma vida sem a maldição de saber dizer exactamente o que está errado dentro da minha alma e dos corações alheios. Pensei, na loucura de um riso desvairado, que talvez pudesse viver o que escrevia, conhecer os sentimentos descritos, as pessoas inventadas nos meus mil romances. Então, no dia em que a inspiração não veio, pousei a caneta e fechei os olhos, num suspiro alegre. O suspiro que acabaria por ser o último dos meus suspiros. Porque, um dia, a inspiração não veio e, ao pousar a caneta, eu suspirei e morri.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

terça-feira, 5 de março de 2013

À tua procura



Eu iria à tua procura. Daqui até ao fim do mundo. Noutros mundos. No inferno. Eu iria à tua procura.
Eu procurar-te-ia nas praias mais inóspitas, nas florestas mais perigosas, nas ilhas desertas dos confins da Terra. Eu procurar-te-ia na mais alta das montanhas, no mais profundo dos oceanos, no mais distante dos continentes.
Sem saber onde estás, eu procuraria Norte e Sul, Este e Oeste. Eu lutaria contra ventos e marés apenas para chegar onde estivesses, fosse onde fosse. E enfrentaria as maiores tempestades, as piores secas, os meus maiores medos. Para te encontrar, eu iria além dos meus próprios limites, além das minhas muitas limitações.
Eu iria à tua procura. Estivesses aqui ou numa galáxia distante. Estivesses aqui ou num universo paralelo ainda por descobrir. Eu venceria as leis da física, as leis dos homens, as leis dos Deuses. Eu venceria tudo para te encontrar.
Eu iria à tua procura. Por entre multidões sem alma nem compreensão. Por entre cidades cinzentas e paraísos naturais. E bateria a cada porta, perguntaria a cada pessoa. E a cada "não" eu ficaria mais próxima, mais perto, porque não iria desistir de ti.
Eu iria mais longe do que o mais longínquo dos lugares. Contra relógios e bússolas e lógicas sem lógica, eu saltaria tempos e distâncias. Passaria em cada rua, em cada caverna, em cada edifício. E, em todos, deixaria a minha marca para que soubesses que não tinha desistido de ti, nem por um segundo.
Eu iria à tua procura. Seria mais persistente do que os ventos, mais forte do que os intempéries que se abatem sobre as terras tristes. E, através de furacões, de ciclones, de terrores sem nome, eu continuaria a procurar-te, sem ter medo de perder a vida nessa busca desleal pelo amor.
Eu iria à tua procura. Não me entendas mal. Atravessaria a eternidade. Morreria de bom grado na crença inabalável de que te havia de encontrar. Mas eu sei onde estás. E congelei na certeza de que estarás sempre aí, escondido na única barreira que não posso trespassar. A barreira da tua vontade. Eu iria à tua procura. Iria até ao fim do mundo. Não há lugar onde não te procurasse. Mas estás aqui. Longe. Ausente. Distante. Eu iria à tua procura. Quem me dera que quisesses ser encontrado.

Marina Ferraz
* Imagem retirada da Internet