quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Em confidência



- Podem chamar poeirentas às minhas esquinas e fáceis às minhas conquistas. Eles nunca saberão, nunca sonharão o que me faz ser como sou!
A voz dele estava repleta de agonia. O rosto dele vinha marcado das lágrimas por verter. As mãos, velhas e enrugadas, tinham os jeitos de quem sabe que segurar uma cerveja entre os dedos não iria sarar a alma.
- Podem chamar o que quiserem, meu velho amigo. Podem dizer que as minhas decisões foram erradas. Não importa. Não importa.
Não dormia há dias. Podia dizer isso pelo arrastar das palavras, pelos silêncios mortos no centro das frases. Podia dizer isso pelo olhar cego, desvairado e intocável, rodeado de negro.
E continuou, de olhos loucos e perdidos nas bolhas quase inexistentes da bebida, num choro seco que doía.
- Ela ficou ali, sabes?  De joelhos no chão, a implorar. Mas ela não vê. Ela não sabe. Ela não pode saber. E, no topo das escadas, o choro. Aquele choro de inocência. Sem palavra. Sem mais do que um olhar a questionar. E eu saí. Eu saí. Eu saí como se o choro delas não importasse.
Deu um murro na mesa. A madeira gasta rangeu e ele cerrou os punhos. As veias, salientes e escuras surgiram, como se as palavras não bastassem.
- Elas ficaram ali, como se eu estivesse lá antes. Como se eu não tivesse posto o trabalho em primeiro lugar. Como se eu não tivesse perdido aniversários, Natais, primeiros passos e palavras. Elas choraram como se, antes de partir, eu tivesse estado lá.
A mágoa na voz adensou, à medida que o olhar escurecia, mais e mais, numa falsa tentativa de desapego.
- Nem uma foto, acreditas? Lá estão elas, as duas, sorrindo. Mas eu não. Onde estava o pai? Onde estava o marido? E elas choraram como se eu tivesse sido perfeito. Imploraram como se a minha ausência pudesse aumentar, como se a minha ausência ainda pudesse feri-las. Eles não sabem. Eles nunca sonharão o que me faz ser como sou.
Olhou para mim, finalmente, afastando o copo da cerveja com as pontas dos dedos encardidos pelo tabaco.
- Eu saí porque nunca estive. Sou um lugar vazio à mesa porque nunca dei graças. Sou o fantasma da fotografia porque nunca cheguei a tempo. Sou a pessoa mais infeliz do mundo porque virei costas e parti. E agora? Agora ele está lá. A chamar poeirentas às minhas esquinas e fáceis às minhas conquistas. A chamar erradas às minhas escolhas. A beijar a minha mulher. A embalar a minha filha. E eu estou aqui. Num bar. A beber até cair e a fumar até mal poder respirar. E não vou voltar. Porque elas estão lá, com ele, a sorrir, a tirar fotografias a três, a comer à mesa juntamente com ele. E estão a sorrir. Estão a sorrir porque eu saí para dar espaço ao sorriso. E, acredita em mim, foi a única coisa decente que algum dia eu fiz por elas.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Sombra


Não quero que sejas como eu. Não quero que vivas como eu vivo. Não quero que sigas os meus passos, que uses os meus gestos ou as minhas expressões. Não quero que penses como eu penso nem que acredites nas coisas em que eu acredito tão profundamente. É isso mesmo. Não quero que sejas igual a mim!
Não quero que te curves aos mesmos Deuses nem que sigas os mesmos trilhos. Não poderia amar jamais alguém que me seguisse aonde eu fosse sem perguntas, sem dizer "chega" aos meus exageros e sem erguer a voz aos meus erros. Não poderia aceitar alguém que me desse razão a todo o momento. Por isso, se há uma regra a regra é esta. Não quero que sejas como eu.
As pedras da calçada conhecem os meus passos. Sabem que eles não são sempre certos e que, por vezes, escorrego e caio nas curvas desta estrada que é a vida. As pedras da calçada sabem que eu firmo as mãos e me levanto sozinha. Elas sabem que eu sou desastrada mas forte. Elas sabem que eu consigo viver por mim.
Tu não és uma pedra da calçada. Não sabes quem sou. Não sabes a força que tenho para me levantar nem sabes que jamais aceitaria uma vida sem quedas. É isso que me torna humana. Às vezes é preciso que doa. Às vezes é preciso que o coração sangre para acordar mais forte, no dia que vem a seguir.
Não quero que sejas como eu. Que me imites os movimentos dançados, que sorrias quando estás triste. Não quero que te sentes à frente do papel branco e descarregues nele as angústias por achares que ninguém entende. Não quero que penses, para ti, que a vida é a página em branco que fica a seguir àquela que já foi escrita, riscada, amarrotada e atirada para o cesto do lixo.
Se te amar, acredita, vai ser porque tu és diferente de mim. Porque és uma peça que me falta. Uma confiança que não tenho. Um riso que não sai por entre as lágrimas. Se te amar, vai ser porque vou saber, de olhar para ti, se estás bem ou mal, feliz ou triste. Nunca, jamais poderia amar alguém igual a mim.
Acredita. Não quero quem me siga. Quero quem me complete. Não quero quem concorde comigo. Quero quem me chame à razão. Não quero quem se cale com medo de me magoar. Quero quem me grite motivos e razões. Não quero quem esteja nos bons momentos para desaparecer nos maus. Quero quem esteja sempre lá, concordando ou não, para me segurar nas quedas ou simplesmente dizer "eu avisei". Para seguir comigo, concordar comigo, agir como eu e desaparecer nos momentos de escuridão, eu já tenho a minha sombra. Esteve ali a vida toda, a imitar-me cada movimento, a seguir-me por cada caminho. Ela é exactamente como eu e eu nunca me apaixonei por ela.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Temas



O vento nas árvores. A história da menina que cresceu. O horizonte. Os contos de fadas. O mar distante. A tristeza e o medo. O que fica depois da última página do livro. É esta a minha forma de falar de amor. É esta a minha forma de escrever a vida.
Não é um tema só. São mil temas, rondando o que considero ser o pilar central de tudo o que acontece no Mundo. Não é só tristeza e amor. É a vida contada em memórias de tristeza e na esperança de um amor. De um novo amor. De um velho amor. Mas de amor, qualquer que seja a sua forma.
Sim. Eu escrevo sobre amor. Sobre o que o amor fez. Sobre o que ele faz. Sobre as coisas que ele trará, se o destino for um vento favorável e a maré não me derrubar. Escrevo sobre o amor porque é ele que me rege. Porque é nele que me revejo e me encontro. É nele que eu me conheço.
Acusam-me muitas vezes de acreditar em contos de fadas. E têm razão. Acredito! Porque posso acreditar no que eu quiser e escolho acreditar no que é belo. Não vou fechar os olhos ao que não se vê, só porque alguns não querem vê-lo. Não vou negar a mim mesma o sonho. E vocês? Quantos de vocês não acreditam em contos de fadas?
O vento nas árvores. A história da menina que cresceu. O horizonte. Os contos de fadas. O mar distante. A tristeza e o medo. O que fica depois da última página do livro. É esta a minha forma de falar de amor… a minha forma de escrever a vida. Mas não se trata do meu amor e da minha vida. Trata-se de um amor maior e de uma vida comum que me sai dos dedos e quer tocar cada pessoa de uma ou outra forma.
É também o vosso amor e a vossa vida. São também os vossos pensamentos e as vossas formas de sentir. E, porque os textos têm vida própria, eles são a minha esperança no mundo, entregue e aberta, à espera que escolham sonhar comigo.
E sim, são sobre o amor. Muitas vezes sobre a tristeza. Muitas vezes sobre o desgosto e o medo. Mas nem sempre tristes. Porque, no fundo, as palavras são um refúgio universal e, por mais tristes que os textos pareçam, aos olhos de quem está feliz, para um mundo feito de contrariedades e injustiças, eles falam apenas da realidade sonhada de uma menina que sabe a verdade mas escolhe viver de fantasia.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Respira fundo



Respira fundo. O mundo vai ser injusto, por vezes. A vida é mesmo assim. Ninguém pode entrar nela sem esperar sofrer um pouco. Ninguém pode evitar os contratempos. Ninguém pode contornar as barreiras que aparecem no caminho.
Mas respira fundo. Porque podes saltar cada barreira e correr rumo à felicidade que mereces. As pessoas não são definidas pelos erros nem pelas desilusões. São definidas pela alma que se mantém firme e real, mesmo quando o mundo aponta o dedo ou pisa, sem razão.
Respira fundo e fecha os olhos. Tudo o que precisas de ver está dentro de ti. Por isso procura. Procura essa dimensão de ti que te dá razão sobre o que quer que venha. Procura a parte de ti que te torna superior às injustiças. Tenho a certeza de que encontrarás dentro de ti a peça chave que te torna maior do que as maiores coisas.
Não duvido nem por um segundo. Não duvido nem que me apresentem as mil justificativas que comprovam teses diferentes da minha. Não duvido que sejas mais e melhor do que as injustiças com as quais tecem as histórias que circulam por entre os Universos de mesquinhez. E não importa o que ninguém diga. Não importa o que ninguém pense. Sei, porque o sinto, que a vida é somente a tela na qual pintamos a história. E a história não é um ponto de vista. A história é a complexidade do que fica além do que uma ou outra pessoa vê em nós.
Respira fundo. Respira fundo e ouve a tua própria voz. Deixa que ela se erga, completa e inquebrável. E ouve-te a ti. A minha voz, só mais uma por entre tantas vozes, também não importa. Ignora-a. É a tua própria voz que tens de ouvir.
Então, faz assim: respira fundo e respeita o que essa voz te disser. Respeita-a além de tudo, apesar de tudo e independentemente de tudo. O mundo vai ser injusto. Mas a tua alma e o teu coração, mesmo que te digam coisas duras de ouvir, serão simplesmente reais. Ouve o que eles têm a dizer...
Respira fundo. O mundo é mesquinho e as pessoas, por vezes, ridículas e injustas. Mas respira fundo e segue. Ouve a tua própria voz. E nunca, por nunca ser, deixes de tentar ser feliz. 

Marina Ferraz


*Imagem retirada da Internet (autoria de Paulo Freiras)