sexta-feira, 23 de abril de 2010

Feliz para sempre

Sempre o mesmo sonho. Um abraço que termina com um choro. Um discurso mudo que termina com um sonante adeus. E todas as explicações do mundo para o que podia ser resumido a um “não”. Cansa-me.
Cansa-me ouvir sempre o mesmo e ver sempre o mesmo. Decorar sempre a expressão séria do teu rosto quando me dizes que, desta vez, acabou mesmo. E depois eu corro. Nesse mesmo sonho eu corro e deparo-me comigo mesma. Sozinha. Todas as ruas desertas e todas as luzes entremitentes, numa cidade fantasma onde o único ruído é o da minha respiração ofegante e onde a única sensação é a do medo. E corro. O som dos meus passos nunca se sobrepõe aos meus suspiros. Mas corro, com a dor e o medo acompanhando a minha corrida desleal contra o tempo. Porque é contra o tempo que eu fujo. Corro sempre na direcção do ontem. O ontem em que tinha a esperança de não sonhar que ias embora outra vez. O ontem onde o teu rosto não estava sério e tu sorrias. O ontem onde jurei a pés juntos que, hoje, ainda me ias amar.
A rua continua sempre deserta mas há o terror. O terror de quem julga que, no canto, vai surgir alguém e que esse alguém me vai roubar de ti. Não quero ouvir outra respiração que não a minha. Não quero escutar outros passos. Não quero ver qualquer silhueta além da minha sombra inconstante como a luz dos candeeiros de rua.
Mas aparece sempre o mesmo vulto. Sempre com o mesmo manto, com o capuz preto tapando o rosto. E o vulto tem sempre um punhal na mão. Paro quando o avisto e estou tão perto dele como de mim. Vil loucura, é nesse segundo que julgas que não reconheço a tua postura, que não sei de cor os traços dessa mão que empunha o meu fim. E, por seres tu, mesmo não podendo olhar-te fundo nos olhos encobertos, eu abro os braços e aguardo a morte. Sabes, meu amor? Quando cravas o punhal no meu peito e o meu sangue mancha a tua pele demasiado branca, eu esboço o último dos meus primeiros sorrisos. E ele é teu. Porque estou a pensar em ti. A morrer contigo no meu pensamento. A morrer nos teus braços. Pelas tuas mãos que sempre ditaram o correr da minha vida.
Morro. Maldito sonho. Morro pelas tuas mãos. Morro sangrando de saudade. Morro num adeus mas contigo perto. Maldito sonho. Como odeio essa sensação de poder perder-te e fugir. Como odeio saber que vou ver-te à minha frente com esse punhal na mão. Como odeio saber que a morte é doce se estiveres perto. Morro. Contigo. Por ti. Em ti. Maldito seja esse sonho que me cansa. Esse sonho onde sou, de facto, feliz para sempre…

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Ruínas

A minha casa ruiu. É o que acontece com o tempo. Quando o tempo desgasta a vida e a vida cede. As casas ruem e o barulho da rua torna-se ensurdecedor.
A minha casa ruiu. Ruiu num alicerce quebrado sem que eu saiba o motivo. Nas palavras que não pude dizer e nas que não pude ouvir. Nos motivos dados e naqueles que não foram dados mas antes esquecidos no silêncio.
Ruínas de mim. Foi isso que restou. Ruínas. Pedra sobre pedra com meia dúzia de alicerces intactos segurando coisa nenhuma. E de que vale toda a firmeza de alguns quando já ruiu a minha vida? De que vale o esforço para erguer a alma quando ela jamais se levantará com o mesmo fulgor?
A minha vida ruiu. Caiu sobre mim e levantou a poeira do meu choro. Da minha mágoa. Da minha saudade. Compreendi que ninguém percebeu o que eu sentia. E perguntei-me se seria minha a culpa. Porque eu posso ser culpada. Posso ter passado tempo demais a dizer que amava, sem explicar que o meu mundo estava assente, também, em pilares de afecto, estima e harmonia.
Mas a minha casa ruiu. Porque casa alguma se aguenta ao desgaste dos ventos do norte, quando o vento sopra com a força inevitável de nada poder estar solto e livre o suficiente para escolher estar firme.
Uma palavra, um gesto, um retorno. Qualquer coisa, na verdade... Foi essa a minha espera. A minha lonjura. A minha demora.
A minha casa ruiu. Pobres alicerces caídos com a força de um amor eterno. Ali, destruídos e sós, por entre tantos que apenas se curvaram e tantos que se mantiveram firmes.
Mas que importa? A minha casa ruiu de saudade e a minha vida também. Porque aquele pilar era central. Porque nenhuma casa sobrevive se as fundações ruírem.
E apetece-me agradecer ao vento, com ironia. Dizer-lhe que me matou a alma mas que eu estou bem. Só que o vento ia rir-se. Como sempre. Ia esquecer-se das minhas palavras. Como sempre. Ia saber que era mentira… E não ia devolver-me a minha casa… porque os meus alicerces cederam e eu sou ruínas de mim.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet