terça-feira, 31 de março de 2020

Gosto de sexo


Fotografia de Hélio Silver
Modelo: Flo


Eu gosto de sexo. Como uma viagem aventureira. Gosto. Gosto de sexo.

Poderão dizer-me: toda a gente gosta de sexo. Mas eu acho que não. A maioria das pessoas gosta do prazer. E gostar de sexo é muito diferente.

Eu gosto de sexo. Gosto da sensação do toque na pele. Do despudor de pedidos feitos com os olhos. Das mãos lançadas na busca pela servidão do outro. Da vontade de ser escravo, da vontade de ser mestre, da vontade de ser.

Gosto do enrolar das línguas sem linguagem e da linguagem obscena sem idioma. Gosto da universalidade linguística do toque. Dos cabelos segurados nas amarras dos dedos e puxados sem acanhamento. Gosto dos beijos no pescoço. Da manipulação do corpo em coreografias novas e singulares. Do abrir do corpo. Da invasão do corpo. Da oferta platinada de dois corpos que se dão e se fundem, numa dança de afastamentos e reencontros sucessivos.

Gosto da toma do controlo. Da cedência do controlo. Da imagem de fora, criada pela mente que se faz voyeur de nós. De ver, de fora, toda essa dança de idas e regressos, sem sair do lugar.

Gosto de ouvir que pertenço a alguém e de sentir que alguém me pertence. Por uns minutos… até o prazer nos fazer esquecer que existe diferença entre nós e o outro, convencendo-nos que somos peças de um engenho só… ou até a vida nos convencer novamente do que já sabemos: que ninguém é de ninguém.

Gosto de sexo. Dos sabores do sexo. Das suas sensações. Dos seus aromas. Da forma como ele cria sobre a pele uma camada fina de suor e, debaixo dela, uma intensidade insaciável de desejo. Gosto da expressão luxuriante do olhar quando o gozo gera descontrolo e enuncia o fim. E da maneira quase obscena como se sente o corpo vibrar nessa perceção do prazer do outro.

Gosto quando acaba. Do corpo mole, da cabeça onde todos os pensamentos são derretidos numa mancha sem significados nem sentidos porque pensar parece fútil e desnecessário. E gosto. Não sabia que gostava. Mas descobri. Gosto que me abracem a seguir. Gosto da descoberta insensata de que esse desconhecido era, na verdade, apenas mais uma coisa que eu ainda não tinha feito e não algo irrealista, inventado para pintar as comédias românticas de Hollywood.

O sexo é exatamente como uma viagem de aventura. Daquelas que se fazem de mochila às costas e onde queremos ver, sentir, provar tudo. Daquelas que não se fazem com toda a gente. Daquelas que não valem a pena ao lado de quem quer só o prazer das quatro paredes de um resort com SPA e piscina. Daquelas que queremos fazer com quem nos entende e também quer ver, sentir, provar tudo. Daquelas que queremos fazer com quem vai andar ao nosso ritmo e mostrar o seu, respeitar a nossa sofreguidão e mostrar a sua, sentir as nossas limitações sem se importar com elas. Daquelas que queremos fazer com quem também gosta de sexo.

Eu gosto. Gosto muito. De sexo. E é justamente por isso que só o faço quando sinto, em cada um dos meus poros, que gosto de alguém.






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4 comentários:

  1. Também eu gosto assim!
    E da tua escrita desnudada também!

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  2. Belas palavras, concordo. E tema premente hoje em dia, dias em que o simples toque está tão ausente..

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  3. Dá-te por feliz, pois o teu saber gostar é um patamar privilegiado atingido por poucos.

    Keep it up!

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  4. Pouquíssimos gostam assim e ainda menos conseguem envolver quem lê numa quantidade tão grande de sensações,nas subidas e descidas das palavras de cada verso. Um encanto como canto de sereia.

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