terça-feira, 26 de novembro de 2019

Quando o amor não morre


Música de Renato Júnior | Letra de Marina Ferraz
Na voz de Katia Guerreiro


Eu sei muito bem o que acontece quando morre o amor. Já o disse. E alguém já o compôs. E alguém o instrumentou. E alguém o cantou. E alguém o ouviu. Eu sei muito bem o que acontece quando morre o amor. Mas não sei. Não faço ideia. Pergunto às estrelas e ao vento. E elas brilham e ele sopra. Riem-se. Mas não respondem. O que acontece quando o amor não morre?

Eu tentei afogar o meu amor. Mas o país estava seco e ardia. Na falta de água, nessa seca que deixa o chão argiloso cheio de frestas, tentei afogá-lo nas minhas lágrimas. Manter-lhe a cabeça submersa nesse mar feito de gigantismo e mágoa. Mas o amor passou a respirar o sal. Temperou com ele as feridas para que não fechassem. E disse. Eu sou resiliente. Eu vivo. O amor não morreu.

Eu tentei rasgar o meu amor. Agarrar-lhe nos membros, meio toscos. Trucidá-los. Insistir que ele exibia traços desconexos nas lembranças. Esmiuçá-lo, tão pormenorizadamente, que o meu encontro com a dor se tornasse inevitável e jorrasse apenas sangue do que outrora fora seiva e forma de estar. Mas o meu amor rasgado foi como a cabeça da Hidra de Lerna. E, de todas as vezes que eu o retalhava, ele vinha mais forte, com mais identidades toscas, rir aos meus ouvidos. Dizendo. Eu sou plural. Eu vivo. O amor não morreu.

Eu tentei alvejar o meu amor. Usei balas de palavra. Usei balas de silêncio. Usei balas de coreografia. Usei balas de grito. Usei balas de desapego. Usei balas de desespero. Falhando o alvo, que eras tu e acertando irremediavelmente no efeito de boomerangue, num ato hostil que sempre me acabava no peito, esburacando-o. E, dos espaços abertos pela bala, caíram as esperanças, porque eram pequenas. Mas não o amor, enorme e desmedido. E, com a voz saindo a par com a esperança, ele dizia. Eu sou eterno. Eu vivo. O amor não morreu.

Eu tentei esfaquear o meu amor por ti. As lâminas eram finas como folhas de papel. Porque eram folhas de papel. E nelas, com canetas igualmente finas - tantas vezes cor de realeza, tantas vezes cor de sangue – eu ia esventrando, com investidas cruas, o que sobrava de pensamento leve para poder ser crua e cruel. Inabalável, nos cortes finos da lâmina das folhas do meu eu caduco, a voz ainda falava. Eu sou a tinta. Eu vivo. O amor não morreu.

Eu tentei envenenar o meu amor por ti. O meu veneno era a acidez da alma, que te odiava. Odiava. Odiava. Até odiar menos. Até não odiar. Até só dizer que odiava. Até saber que nunca tinha odiado. E acabar a dizer “amo-te”. O meu veneno foi uma sequência de impropérios, com “foda-ses” e “merdas” jorrados contra paredes nas quais só eu batia a cabeça. Sem medo das formulações frásicas, havia o riso. Permanente. Da voz. Eu sou a palavra. Eu vivo. O amor não morreu.

Eu sei muito bem o que acontece quando morre o amor. Já o disse. E alguém já o compôs. E alguém o instrumentou. E alguém o cantou. E alguém o ouviu.

Eu sei muito bem o que acontece quando morre o amor. Soube o que acontece quando morre o amor no mesmo dia em que ele desapareceu dos teus olhos. E no mesmo dia em que, de dentro deles, desapareceu a sombra poética de todos os meus sonhos e passou a existir vazio.

Eu sei. Sei muito bem o que acontece quando morre o amor. Nascem poemas, poetas, canções e futuros inesperados.

Mas eu não preciso de saber o que acontece quando morre o amor. Preciso de saber outra coisa. Isto. Como acalmar a mágoa. Como amortecer a dor. Como travar as lágrimas. Preciso de saber o que fazer quando o amor não morre.






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