terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Bolinha amarela

 

Fotografia de Hans

Quando era pequena, contavam-me muitas vezes, em tom de anedota, uma longa, longa história chamada A Bolinha Amarela.

 

Esta história falava-nos do Pedrinho, criatura nascida entre a fortuna, que desde cedo teve acesso a… tudo.

 

A história, que lenta e dolorosamente se conta ano a ano, mesmo para criar um entretém de tempo infinito na piada cuja punchline parece não chegar nunca, leva-nos do primeiro aniversário do Pedrinho até à sua precoce morte, aos vinte e tal, travando em cada aniversário e Natal, para nos dar conta de que esta criatura pedia sempre aos pais, como prenda, uma bolinha amarela.

 

Da história, ficamos a saber que o moço, na sua rica família, recebe nestes eventos os melhores brinquedos, viagens, um apartamento de luxo, um Ferrari, um iate… enfim: um gigante e luxuoso conjunto de tudo! Até ao momento culminante da história, onde, espetando-se com o seu caríssimo Ferrari, todo entrevado, no hospital e a mal conseguir falar, perguntam a um Pedro moribundo se ele quer alguma coisa. E a resposta é: uma bolinha amarela. Consternados, os pais finalmente perguntam: Mas para que queres tu uma bolinha amarela?. E ele responde: Quero uma bolinha amarela porque… e morre.

 

Eu sei que é suposto ser uma anedota. Ou, pelo menos, uma história de quase uma hora, onde as expetativas da punchline são hilariantemente frustradas. Mas, numa análise mais crítica, também é uma boa forma de olhar para a realidade quotidiana de uma sociedade meio surda, meio cega, totalmente orientada para o próprio umbigo… e que nem sempre considera o outro enquanto ser pleno, completo, individual, capaz de desenvolver ideias próprias e de ter desejos únicos e concretos.

 

Apercebo-me disto quando enuncio pedidos simples, sobre o que eu quero; e me tentam dar mais, melhor. Apercebo-me disto quando digo que não quero algo, e mo oferecem à mesma, porque é bom, porque é útil, porque “vais ver que te dá jeito”.

 

Talvez, por vezes, as pessoas prefiram a sandes mista ao restaurante gourmet; passear junto ao mar em vez de ir às Maldivas; estar quietas e em silêncio, em vez de experimentar uma one-lifetime-adventure; uma bolinha amarela a todos os luxos do mundo.

 

Acredito que a pessoa mais especial não é a que nos oferece as coisas mais caras, mas a que dedica uns minutos da sua atenção para ouvir verdadeiramente o que queremos, do que precisamos, como pode ajudar… É aquela que consegue despir-se de si para entender o outro, que respeita que as necessidades e as vontades alheias podem não ser iguais à sua.

 

A individualidade é mesmo assim. Ser e deixar ser é mesmo assim. É tão fácil… e tão, tão raro...

 

Exprimo, sem pudor, o que quero e não quero. E gosto de coisas pequenas. Simples. Das bolinhas amarelas da vida…

 

Não me interessa se o Pedrinho morreu muito rico, porque nunca teve o que queria. E não importa como acabava a justificação do Pedrinho porque, sejamos francos, se ninguém o tinha ouvido até ali…

 

Eu sei que estamos no meio de uma pandemia… mas acho mesmo que estamos a precisar mais de reforçar a nossa humanidade do que a nossa imunidade…

 

Por isso, uma sugestão:

Vamos ouvir mais…

Ser mais…

Ser melhores…

 

Porque só eu sei como desejo a todos que encontrem essa bolinha amarela que - vá-se lá saber porquê - é tão pouco… e tão importante!



 Marina Ferraz





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2 comentários:

  1. Bom dia Marina!
    Ainda me lembro da bolinha amarela... provavelmente era o sol...e hoje em dia andamos gelados... a precisar cada vez mais de sol!
    Adorei a parte da relação humanidade/imunidade..
    Viva a humanidade, sejamos pois mais humanos. Pois, que essa falta nos torna cada vez mais sem imunidade também. As células sentem...
    Parabéns bj

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  2. Um dia, muito em breve, confessaremos as nossas bolinhas amarelas.
    Texto... Impec!

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