terça-feira, 11 de agosto de 2020

O tal

 


Um dia, ela disse-me: eu sei que ainda sou nova mas tenho medo de que nunca seja melhor.

 

E eu conhecia a história. Por alto. O suficiente. Era o bastante para poder dizer que não. Nem perto. Havia tanto, tanto mais.

 

Então, disse-lhe. Disse-lhe que só podia dizer isso quando a pessoa fosse a tal.

O tal – expliquei-lhe – vai ser aquela pessoa que, a dado ponto, te vai fazer tão feliz que não acreditas que possas voltar a sentir-te triste. Uma alegria tão intensa que podias morrer ali e estar tudo bem.

 

Ela não conhecia essa realidade. E disse que não conhecia. Duvidava, na verdade, daquele tipo de felicidade louca que eu descrevi. E fomos para casa, caminhando na descrença enraizada dela e no meu pensamento livre, com todas as suas memórias amontoadas no pequeno espaço de mim.

 

Inevitavelmente, no silêncio da noite que se seguiu, por entre as paredes lúcidas da minha insónia bêbeda de saudade, elas vieram. As memórias. A memória. Esse sorriso inebriado de esperanças que mataram o potencial da dor, vez após vez. O desconhecimento do futuro, a caber inteiro no espaço entre os nossos corpos, quando não havia espaço entre os nossos corpos. A felicidade completamente feita de massa de açúcar, essa matéria que se dissolve nas (m)águas até ser invisível. E a descrença na dor, como se as leis do mundo não ditassem vidas eternas e retornos circulares à ferida do tempo.

 

Ser feliz é um conceito e uma definição de efemeridade – pensei no escuro. E, no entanto, aqui estou. E por segundos, minutos, horas, dias, meses… acreditei! Acreditei que nunca mais ia ser triste.

 

Lembrar-me disto, já sem a presença jovem dela para me lembrar de ser adulta e forte causou um ardor no nariz e uma secura na boca, talvez pela falta de toda a água que olhos se propunham verter.

 

Pedi-lhe desculpa mentalmente. Enviando o pensamento da minha cama, à medida que me apercebia de que faltavam alguns ajustes discursivos nas palavras que dissera para explicar a imensidão dessa tal pessoa que apagava a crença na dor.

 

Porque eu disse: O tal vai ser aquela pessoa que, a dado ponto, te vai fazer tão feliz que não acreditas que possas voltar a sentir-te triste. Disse-o porque o senti. Que nunca mais ia ser triste. Mas, por entre o sonho desse amor que ainda me ilumina quando desperta a memória, esqueci-me de dizer outra coisa. Que a concretização mais plena desse amor vinha mais tarde. Quando nos apercebíamos.

 

O que ficara por dizer era infinitamente mais importante. Talvez definidor dos caminhos que ela possa escolher amanhã. Mas esqueci-me. Esqueci-me de dizer: vais ser feliz como se nunca mais pudesses ser triste. Mas, então, um dia ele vai. Quando ele for, vais ter o resto da vida para sentir que nunca mais vais ser feliz. Uma dor tão intensa que podias morrer ali e estar tudo bem.




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