A minha casa antiga era fria e húmida. Por vezes, nos dias mais chuvosos, a humidade parecia entranhar nos ossos. O calor do ar condicionado que acabei por instalar – e que me custou um rim – dissipava depressa. Por consequência, já se adivinha... a conta da eletricidade subia astronomicamente no inverno.
Mudei-me.
A minha casa nova não é tão fria. Também é menos húmida. Fica num oitavo andar e tem vistas magníficas para a serra. Mas há uma parede que tem uma mancha. E essa mancha, a pouco e pouco, embora não me pareça que esteja a alastrar, foi-se tornando o meu novo bicho-de-sete-cabeças. Ou, pelo menos, um quebra-cabeças. A mancha não vem do teto. Não passam canos nessa parede. Não encontro nenhuma justificação minimamente válida para que ela tenha surgido. O que chamar? Um empreiteiro? Um canalizador? Um detetive privado? Não saber é o que me vai matando, enquanto espero que a vida me dê o tempo (e o dinheiro) de que preciso para resolver o problema.
Entretanto, existem dias nos quais a mancha me é quase indiferente, e outros nos quais me ofende. Dias nos quais passo por ela, alheada, e outros nos quais é a fonte de um começo de depressão. Há dias em que me apetece sair para não a ver. Dias em que me apetece arranjar um cavalo e lutar contra ela, num cenário apropriado de Marina de La Mancha. O que teria Cervantes a dizer sobre isto?
Nos piores dias, sinto que
gostava de pôr uma bomba ali. Se não houver
parede, não há mancha. Digo. Noutros, desespero e acrescento: devia ter ficado onde estava!
O certo é que, nesta azáfama de dias em que a mancha não importa e de dias nos quais a mancha é a minha inimiga fidalgal, os meus dias vão ficando também manchados, mas o meu entendimento fica mais claro...
Quando dou por mim a dizer que talvez devesse ter ficado na casa antiga, porque ao menos já lhe conhecia as mazelas, há algo em mim que me explica o pensamento de quem continua a votar em quem mancha o país e as vidas de tantas pessoas.
Neste pensamento, é engraçado... a mancha da parede da minha casa nova deixa de importar. País vira mundo, como se a cabeça corresse, uma a uma, todas as notícias conhecidas, demorando-se nas entrelinhas e em tudo o que sabe que não foi (não é!) dito.
O mundo em que vivo está manchado. Constato. O que tenho na parede não é uma mancha. É uma metáfora. Porra... agora não sei se chamo um empreiteiro, um canalizador, um linguista ou alguém que faça um exorcismo...
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A mancha, o sal que nos vai temperando a vida
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