segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Apesar de tudo


Ele caminhou sobre a água gélida do meu inferno e veio beijar-me. Primeiro, beijou-me os lábios de pedra, depois o rosto cansado e, por fim, com a subtileza de uma gota de água, escorreu pelo meu corpo desnudo.
Procurava de mim o que não sou para poder roubar-me o que não tenho. Mas eu deixei-o procurar nas entranhas adormecidas do meu sangue de fel.
Tudo o que ele podia levar, já me tinha sido tirado e tudo o que ele me queria dar, eu tinha de sobra. Não havia medo nem ansiedade em mim. Apenas o desapego óbvio de quem já não quer saber. De quem já não guarda o suficiente para poder importar-se.
Mas ele olhou-me nos olhos, tentou perscrutar os sons abafados da agonia da alma e procurar sinais de um coração. E eu encarei-o, frontal e duramente, tentando impedi-lo de entrar nos recantos poeirentos do meu pensamento porque, mesmo não tendo coração, não encontro a paz de não amar.
Por fim, cansou-se. Como se cansaram todos os que vieram antes dele e como se cansarão todos os que vierem depois.
O meu corpo é a prisão da morte que não chega e a alma definha todos os dias na ausência do coração que ofertei. E os meus lábios de pedra são beijados mas não beijam, da mesma forma que os meus olhos fixam mas não vêem.
E ele partiu, como tu, mas sem levar o meu coração. Esse coração que bate, quente e vivo, nas mãos mortais do meu eterno amor, que é teu... apesar de tudo.

Marina Ferraz

*imagem retirada da Internet

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Canto da Noite

O seu canto ecoou pela cidade. Um choro. Um grito. Uma melodia. Ninguém sabia dizer... Ecoou pelas paredes nuas do luar, desvanecendo nas ondas de um mar sem céu. Estava na hora de perder o medo e erguer a voz ou de calar para sempre os anseios, nesse silêncio de emoções rotas e despidas, que jamais são despojadas do derradeiro corpo do desejo.
Então, perante esse ultimato infernal da escuridão, ela correu, com os pés nus, pela areia fria da noite e deixou que as palavras saíssem... choradas, gritadas, cantadas, num misto de encantamento e dor que não podia ser descrito por nenhuma palavra humana.
As estrelas cintilaram nos seus olhos de amargura e as ondas rebentaram, cruéis e indiferentes, na sua pele calejada pelo tempo. Por esse tempo que não sabe esperar um pouco, para dar uma oportunidade cálida a um ser privado de vida. Ela ignorou-os. Ignorou as estrelas e o mar, como se não fossem os seus melhores amigos e tornou a libertar as palavras ao vento.
Mil crianças adormeceram na sua voz. Calmas, puras, indiferentes. Mil pessoas sonharam os mais belos sonhos do mundo. Distantes, egoístas, mudas. Mas ela? Ela gritou! Um grito que foi um choro. Um choro que se transformou na eterna música desse bramir materno e imortal das ondas. Não arredou pé a noite inteira porque tinha de dizer tudo o que guardava. Tinha de dizer as palavras que a fariam morrer, ou dormir, ou abrandar um pouco esse ritmo infernal que trazia sempre consigo.
O primeiro raio de sol veio iluminar-lhe o rosto. E, qual fantasma, ela viu-se desvanecer com a noite, evaporar nas ondas, enquanto a última sombra de escuridão vinha acariciar-lhe o rosto, com o primordial gesto de ternura.
E ela sorriu. Sorriu, enquanto chorava, cantava e gritava pela última vez, naquela noite de estrelas trocistas. E fechou os olhos, enquanto eu abria os meus, para receber a madrugada, com os olhos vermelhos e uma alma silenciosamente dorida.
Olhei de mansinho para o céu que aclarava e procurei-a na areia dos meus pensamentos, julgando-a ausente. Antes que tivesse tempo de o fazer, no entanto, senti-lhe os dedos suaves sobre o meu coração e soube que ela tornaria a cantar, a gritar, a chorar... para que um dia a possas ouvir. Para que possas ouvir o seu canto na noite. Para que saibas que ela é a Saudade. E que toda ela mora no meu peito, sabendo que é eternamente tua...

Marina Ferraz
*imagem retirada da Internet

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Armadilha

Debati-me. Debati-me tanto que os meus pulsos ficaram feridos e os meus joelhos rasgaram e começaram a sangrar. Debati-me por horas, por dias, por semanas. Mas, então, a minha alma deixou de sentir. Doía-me o corpo e a incerteza. Doía-me o vazio que veio substituir esse grito constante da minha alma. E parei.
Parei, como um animal, numa armadilha, que aceita, em plena consciência ou por mero instinto, que o caminho a seguir é a morte. E tive tempo para lutar, tempo para negar, tempo para deprimir e tempo para aceitar… acabou.
Debati-me por horas, tentando alcançar aquele sonho que sempre se exibiu exoticamente mesmo à distância de um toque. Mas o sonho estava um milímetro longe demais e, por um milímetro, não pude agarrá-lo e obrigá-lo a libertar-me das amarras frias e dolorosas que me mantinham cativa de certezas que não tinha e de um futuro que eu não queria para mim.
Em tempos, acusaram-me de viver na escravidão do meu passado, como se ele pudesse fazer mais do libertar memórias, como se pudesse gerir a minha forma de viver. E foi com essas palavras que caminhei sempre, porque me cegaram com elas. Foram palavras insensatas, de quem não sabia que era muito mais fácil eu ser escravizada por esse futuro que se aproxima lenta e demoradamente, abraçando-me com a força inevitável de não me deixar escapar.
Sinto-me escrava do abismo. Como se as minhas correntes me arrastassem na sua direcção, afastando-me, passo a passo, de tudo o que sonhei para mim.
E choro. Antes debati-me e agora choro. Tenho de chorar. Tenho de chorar pelos passos que dei, rumo a esse abismo sem esperança. O abismo no qual acabarei por mergulhar nos anos de todos os sonhos que deixei, de todas as pessoas que não esqueci e de toda uma vida que não tive.

Marina Ferraz
*imagem retirada da Internet

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Barco à vela

Dei o teu nome ao meu veleiro de sonho porque tinhas, no olhar, a fúria do mar de Inverno. Imaginei pôr-te no meu mar de fantasia, para poderes navegar sem destino. Sabia que tinhas um porto na minha alma triste e um Abrigo no meu coração desperto. Mas não to disse. O sol brilhava.
Agarrei-te nas mãos e ajustei-te as velas, qual mãe que ama os seus filhos mas que os cria para o mundo e sabe que os vai perder. Não esperei que o vento soprasse, tão breve, vindo desse Norte ciumento e cruel, querendo arrancar-te dos meus braços. Ainda assim, quando ele soprou, beijei a tua proa e pousei-te no mar das minhas lágrimas, para seres o veleiro de sonho de uma liberdade que eu não tive.
Tu respiraste fundo a maresia e sorriste. E eu sorri também, apesar de ver o desapego do teu sorriso. Tinhas o alento de uma tripulação, a força de um exército e a alma de um herói. Foi nesse momento que te perdi. Então, quando te pousei no mar do meu choro, o teu coração bateu pela primeira vez. Levaste o teu coração no convés e o meu preso ao mastro da saudade.
O sol brilhava. Brilhava no alto desse céu azul, quando levantaste ferro e me fugiste, por entre os dedos, navegando de ilusões.
Nunca disse adeus às ilusões desse que, afinal, era apenas um veleiro de saudade. E fiquei a acenar, na costa, com os olhos marejados de dor, enquanto as tuas velas viravam nuvens e tu desaparecias no horizonte da minha esperança vã.

Marina Ferraz
*imagem retirada da Internet

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

A carvão

Ao meu avô
.
Pintaram a carvão esse retrato de um olhar. Esse retrato frio e pálido, de preto e cinza sobre branco amarelecido pelos anos, no qual tu olhavas para mim e eu olhava para ti, com um amor que o tempo não soube esbater.
Pintaram-nos a carvão. Temos os olhos negros, os sorrisos cinzentos, os rostos com nuances de palidez eterna. Julgaram que nos viam. Foram loucos de julgar que olhavam para nós e nos captavam a alma nesses tons forçados. Que serias sempre o carinhoso velho sorridente e que eu seria sempre a criança de vestido aos folhos com fitas no cabelo. Retrataram-nos tão mal, julgando estar certos. Traíram-nos tanto quanto a arte consegue trair alguém.
Foi insensatez, essa linha certa e perfeita que nos traçou os bustos. Jamais seríamos um retrato a carvão! Tu tinhas os olhos castanhos, tal como eu. Eram sempre doces e ternos. Sempre… mas mais ainda quando olhavam para mim. E o vestido era vermelho, o teu rosto tinha uma pele clara e estava levemente marcado pelo sol e pela idade, o laçarote era ao xadrez e o céu era azul. Ainda assim, eu lembro-me bem que nada tinha a cor do nosso olhar. Os nossos olhares, eram verdes, roxos, amarelos e cor-de-rosa. Tinham a cor do vento, a cor do céu, a cor do mar, a cor da eternidade de um amor de sangue. Tinham todas as cores do arco-íris. As que se vêem, as que não se vêem e aquelas que só nós víamos…
Podiam ter pintado a carvão a tua morte. Esse dia em que as estrelas se apagaram e os pássaros não puderam cantar. Esse dia em que o Outono ficou gélido, como o Inverno, e no qual parte do meu moído coração deixou de bater também. Dizem que não se morre de tristeza. Eu não acredito! Acho que se morre um bocadinho em cada tristeza da vida. Por isso, podiam pintar dessa forma triste e monocromática a tua morte. Como podiam pintar assim a minha melancolia, a minha saudade… São sentimentos eternos que pintarei eternamente com cores tristes, em retratos a carvão.
Mas, naquele tempo. Aquele tempo em que podíamos olhar um para o outro e sorrir. Naquele tempo, não podiam ter-nos pintado a carvão. Nós éramos cor. Havia um brilho de felicidade que se perde nas linhas, por entre o cinzento e o negro. Devíamos ter-lhes dito que não podiam pintar-nos a carvão. Não os devíamos ter deixado apagar todos os tons do nosso olhar.
Hoje, olho o retrato. Esse retrato feito a carvão, há tantos anos atrás. E é cinzenta a minha mágoa, é negra a minha saudade, é esbatida a minha esperança de tornar a ver-te. Mas no retrato… nesse que continua feito a carvão, pendurado na parede branca e que guarda o nosso olhar, o nosso sorriso e o nosso amor. Nesse retrato, hoje eu vejo que estão todas as cores que há no mundo!

Marina Ferraz
*imagem retirada da Internet

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Quatro

Eles deram as mãos e caminharam pelo areal sujo, naquele último dia de Verão. Estavam cegos. Cegos de não verem mais do que os olhos um do outro, por entre a neblina ténue daquela tarde de sol. Então, no olhar, traziam apenas a cegueira de acreditarem que o mundo podia parar e fazê-los serem melhores do que eram. Para serem um do outro. Talvez.
Atiraram-se ao chão e ficaram a ver o mar, com os pés nus enterrados na areia fria. E o mar era distante e bravo. Tão distante e bravo como o Inverno que se acercava a passos largos, subtil mas arrebatadoramente.
Sorriram. Sorriram como todos os amantes tristes fazem nos romances cor-de-rosa. Olharam um para o outro, com a timidez que sabiam que seria vencida, para poderem sentar-se mais perto. Para poderem cair no erro de fingirem que podiam amar-se mais do que se amavam, naquele segundo.
A medo, ele desenhou um coração na areia e ela sorriu, enquanto se levantava e recuava, aos poucos, antes de correr o mais que conseguia. O rapaz correu atrás dela, alcançando-a, sem dificuldade, e selando aquele momento com o primeiro beijo. E o primeiro beijo não foi mais do que o primeiro numa contagem decrescente para a morte do amor.
Quatro. Quatro beijos. Quatro dias. Quatro séculos. Quatro milénios. O amor morre. Morre como uma criança arrogante que decide, do nada, que não quer viver mais. Mas as pegadas estão marcadas na areia sólida da mente de ambos, lado a lado com o coração perfeito que ele desenhou para a rapariga, sem saber que enterrava ali o coração dela, para sempre.

Marina Ferraz

*imagem retirada da Internet

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Mentira


Ontem, eras a minha guarda inteira. Eras o meu exército, sempre disposto a lutar pelas coisas mais pequenas, acreditando que eu não merecia sair magoada. Hoje, se perguntarem, vou dizer que não és ninguém.
Ontem, eras o meu Abrigo, o refúgio da minha guerra interior, onde podia enterrar o rosto e fechar os olhos, esperando acordar no País das Maravilhas. Hoje, se perguntarem, vou dizer que não és ninguém.
Ontem, tinhas a altura do céu, o brilho das estrelas, a imensidão do oceano. Eras, sozinho, o meu mundo inteiro, o meu jardim proibido, onde reinavas sobre tudo o que existe. Hoje, se perguntarem, vou dizer que não és ninguém.
Ontem, eras o amor da minha vida, a rosa sem espinhos, o caminho sem obstáculos, o pote dourado no fim do arco-íris. Tinhas descido do Olimpo, dominado os mortais e conquistado o meu coração de mulher. Hoje, se perguntarem, vou dizer que não és ninguém.
Ontem, eras o amor da minha vida, o meu Universo, uma linha de certeza entre o tudo e o nada. Hoje, se perguntarem, vou dizer que não és ninguém.
Vou dizer que não és ninguém e vou mentir. Mentir somente, porque aprendi a verdade: ontem, eu estava cega. Cega de não saber que não existem portos seguros, nem deuses, nem certezas, nem países encantados, nem pessoas do tamanho do céu.
Estava cega de não ver além da tua perfeição. Da perfeição que ainda tens na cegueira, agora atenta, dos meus olhos.
Ontem, eu estava cega. Não há rosas sem espinhos…

Marina Ferraz
*imagem retirada da Internet

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Pedido


Não vais ouvir-me a pedir para ficares. Nem mesmo naquele esgar tentador do habitual “fica só esta noite, meu amor”. Há muito que sei acordar sozinha. Foi fácil aprender que adormecer nos teus braços e sonhar-te não significa prender-te. Foi fácil aprender que, se te prendesse, não saberia amar-te.
Sei que te pedi as palavras. E tu, inconsciente da impossibilidade, prometeste até que mas darias. Mas, sabes? Não preciso sequer que apregoes ao vento que a tua voz me vai encher os dias amargos. Amo já os teus silêncios. Aprendi, com eles, que a vida gira em torno de tudo o que esperamos e nunca vem.
E, hoje, meu amor, não peço que passes na mesma rua onde o meu olhar adormece. Porque os teus olhos me ensinaram que sou cega. Cega o suficiente para te imaginar em cada homem e para te desejar em cada avenida imunda, como se tivesses passado por lá um segundo antes e nos tivéssemos desencontrado, por acaso.
Não ouvirás o pedido mudo da minha inconsciência obcecada pela ideia do amor. Porque eu não sonho sequer pedir-te para que voltes atrás e me olhes nos olhos. Não sonho arrancar-te as palavras que não queres dizer ou fingir que me amas, só para ter um segundo de felicidade.
Senta-te por um segundo, então. Perde só um segundo a ouvires o único pedido que quero fazer-te. Depois, podes voltar à tua indiferença muda e esquecer o meu nome. Podes esquecer até o meu rosto. Só não te esqueças do meu pedido: não morras, meu amor!
Não morras antes de mim. Não deixes que essa velha carniceira de luto eterno crave em ti as garras antes de me levar. Não deixes que essa morte estéril venha apagar a luz dos teus olhos, enquanto os meus não perderem a cor.
Porque, acredita em mim: posso viver sem te ter, sem te falar, sem te ver passar nas ruas onde partilhámos todo o meu universo de emoções e o esgotámos. Posso correr contra a multidão e nadar contra marés de sofrimento com um sorriso falso e completo nos lábios que já não beijas. O que eu não posso é aprender a viver num mundo onde não estás.
Quero sentir que estás bem, mesmo que não possa vê-lo nos teus olhos. Saber que respiras, ainda que não cortes a minha respiração em beijos tristes. Saber que és feliz, mesmo que não possa senti-lo nos teus abraços.
Não te peço que faças parte do meu pequeno mundo que começa e acaba em pensar-te, mas peço-te que combatas o destino, se ele te quiser mais do que eu quero. Porque, ainda que não faças parte da insignificância do que eu sou agora, preciso que faças parte deste mundo onde caminho, invisível.
Não me obrigues a viver num mundo onde não estás. Porque eu, que sobrevivo sem ti, do modo rude que a vida me ensinou, não saberia viver num mundo onde não estás. Num mundo onde as estrelas se apagaram e o mar secou e as flores murcharam…

Marina Ferraz
*imagem retirada da Internet

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Regresso

Um dia regressas. E quando chegas a casa, vês apenas as ruínas do que outrora foi o teu jardim, o teu pátio, a tua sala e o teu quarto. Aí, tentas visitar os amigos mas eles morreram. Morreram todos. Porque a juventude que te corre nas veias não é a mesma que corria nas deles e eles cederam. Não tinham tempo para viverem a mesma vida que tu.
Um dia regressas, como eu regressei. Olhas para o sítio onde te sentavas a ler romances, debaixo daquela árvore verde e frondosa que agora é um ramo seco e partido. Esperas ouvir o rio, mas ele secou e tem o cheiro pútrido e imundo que preenche toda a tua cidade.
Um dia regressas. Regressas e ficas à espera dos braços que te vão envolver, dando-te as boas vindas. Tudo o que encontras são pessoas a correr desvairadas, levando-te de assalto a bolsa de memórias que trazias ao ombro.
E, cansada do mundo que os teus olhos te devolvem, sentas-te na pedra fria do chão e choras. Porque o mundo não foi justo contigo e tu não foste justa com ele. Então, desejas ardentemente partir. Não podes! Não tens para onde ir agora, porque essa era a tua casa. Mas tu foste embora e a culpa é toda tua…
Um dia regressas. E olhas as tuas mãos, enrugadas e frias. Sentes o ardor da garganta velha e as dores no corpo.
Um dia regressas. Regressas porque partiste. E quando regressas percebes, finalmente, que voltaste apenas para morrer. Para poderes morrer na paz do teu passado destruído.

Marina Ferraz
*imagem retirada da Internet

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Ilusões


Quero pintar o céu da cor dos teus olhos. E afastar as nuvens, para eles nunca chorarem. Fingir que é sempre Primavera no teu olhar e que a noite não vai cair nas trevas da tua tristeza, para arrancar os aromas da tua voz.
Quero dar o teu nome a todas as pontes, para os rios saberem que não podem separar as margens do meu amor e todas as crianças saberem como te chamas.
Vou fingir que mandaste destruir cada muralha do meu mundo de sonhos e que venceste uma guerra contra os ponteiros do relógio, sempre mais rápidos quando te tenho nos braços.
Quero embriagar o oceano com o cheiro agridoce do teu perfume e navegar num barco à vela que avance apenas, levemente, com a harmonia dos teus sorrisos. Porque o vento havia de sorrir como tu, qual criança amarga e magoada pela vida.
E, depois, quero sentar-me na foz, entre o oceano, as pontes e os rios, sob o céu soalheiro da manhã primaveril e ver o barco à vela tocar o horizonte de cada sorriso teu.
Quero que apareças e te sentes a meu lado, fantasma ou memória de um passado eterno, para me sussurrares mudamente, ao ouvido, e eu nunca mais esquecer o teu nome, os teus olhos meigos, os aromas da tua voz e o cheiro agridoce do teu perfume.
E, aí, quero travar contigo essa batalha contra os ponteiros do relógio, até o tempo parar para sermos um do outro, para sempre.

Marina Ferraz

*Imagem retirada da Internet