Hoje está mau tempo. Foi assim que ela começou a conversa. É assim que se começam as conversas quando não há assunto. É assim que se faz um alinhavo no silêncio, com um fio muito lasso de préstimo, para que não pareça que o espaço entre nós e o outro é um rasgão. E eu, que podia ter cordialmente seguido os ensinamentos arcaicos do politicamente correto. Eu, que podia ter olhado pela janela para me resignar com as nuvens densas que povoavam o céu. Eu, que podia ter-me limitado a dizer algo breve e concordante – de facto, está – ou até acrescentado algo que permitisse o decurso da conversa – penso que acabou o Verão... – olhei-a, em vez disso, com os olhos muito cansados, sem me importar com a meteorologia. E disse: já não é de agora.
Está tempo de guerra. Está tempo de preconceito. Está tempo de se temer a rua. Está tempo de se temer o futuro. Está tempo de se temer. Metade do nevoeiro é smog. A escuridão do céu tem fumos e desesperos. A chuva é lágrima. Cai e não rega senão as desilusões. Apontam as temperaturas no mapa do país, para que possamos prever os desabamentos de terra e as outras desgraças que virão de arrasto no rescaldo do incêndio que o dinheiro ateou. Está tempo de dar mais a quem tem demais. Está tempo de tirar a quem não tem para que esses tenham. Está tempo de olhar o abismo com desejo. Está tempo de saltar sem dúvidas. Está tempo de embater no solo para constatar que doía mais antes do salto. Está tempo de quebrarmos os ossos e de dilacerarmos a carne, antes que alguém o faça por nós. Está tempo de se roerem as gentes até ao tutano da sua sanidade. Está tempo de condenar a arte que pinta com sangue as verdades do tempo. Não me importa muito se é o tempo da toalha estendida na areia ou o tempo da gabardine. Está mau tempo. E já não me lembro da última vez em que o tempo estava bom.
Claramente, a senhora que não gostava de nuvens também não gostou da resposta. Talvez por descobrir que trago uma nuvem sobre a cabeça, de onde chovem ocasionais verdades. Talvez porque tenha conseguido escudar-se da ruindade dos tempos até hoje.
Uma nuvem afasta-se para que um
raio de sol rasgue o manto cinzento e alumie a rua. Talvez o tempo melhore. Ouço-a dizer a alguém. Ainda bem que não mo
disse a mim. Honestamente - teria eu respondido – duvido!
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