quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Cumplicidade



Para a minha irmã

“- What if I fall?
- Oh, darling… what if you fly?”
(Autor Desconhecido)

Foste a primeira a fazer-me voar. Pouco importa que tenha sido irresponsável. Pouco importa que tenha sido um voo breve, sobre a sala e na direcção do sofá. A verdade é que, quando ainda todos me tinham no universo cuidado de colos e seguranças, tu acreditaste que podias – e que eu conseguia – voar.
Naqueles dias em que, a partir da porta, me atiravas para o sofá, acreditavas que eu não ia cair. E era essa crença que me fazia sentir segura. Se podia ter-me espatifado no meio do chão? Podia! Mas nunca acreditei que acontecesse. Nem tu. Amavas o riso. E eu amava a brincadeira. E vivíamos bem nesse ciclo de cumplicidade. (Desde que a nossa mãe não visse…)
Algumas coisas definem-nos por um segundo. Outras definem a forma como vemos a vida. A forma como eu vejo a vida é esta: no caminho do voo existe o riso. Talvez caia, talvez não. O fundamental é tentar… E tudo na vida depende do impulso que nos dão, à partida.
De menina a adulta, ao longo da vida, senti de ti o impulso. Esse que me faz acreditar que consigo voar. Seja lá o que isso for. No amor, na escola, no trabalho. De ti, senti sempre o incentivo. A crença. O orgulho. A cumplicidade.
Aprendi contigo quão certos parecem alguns errados. E até que alguns erros são certos. Nesse voo pelo que não é aceite (ou permitido), aprendi que as normas raramente estão de acordo com a moral que pregam. Se nos podam as asas, como podemos voar? Não! Não somos assim. Nem tu, nem eu. E, nas nossas – muitas – diferenças, sabemos bem que o lugar onde acontece a vulgaridade não nos serve nem nos completa.
Construímos a cumplicidade nas nossas diferenças, a aprendermos uma com a outra um bocadinho sobre o que é ser mulher. Gosto da tua força. Gostas da minha meninice adulta. Eu gosto da maneira como sorris com os olhos, em alguns momentos. Será que alguma vez to disse? Falo muito em ti! Digo que és mãe. Digo que és forte. Digo que és lógica e ciência. Digo que não gostas de te cuidar e que te escondes um bocadinho… e que é pena, porque és das mulheres mais bonitas que conheço. Às vezes descrevo-te a pele clara e os olhos azuis… porque eles são lindos! Mas falo muito da beleza que te faz ficar para terceiro plano, atrás das necessidades das pessoas que amas e das necessidades das pessoas que nem conheces. És bonita por dentro. És bonita por fora. E só os Deuses poderão saber quão bonita serias se soubesses que já o és.
Não dizendo nada disto, o que eu poderia dizer é: és a pessoa que me fez saber que podia voar. Às vezes, é importante que nos dêem o impulso inicial e nos atirem pelo ar do tempo, rumo a tudo o que podemos ser. Claro: Somos irmãs. E tivemos brigas de irmã... algumas importantes, outras sem razão aparente. Ainda bem! Discutir contigo e discordar de ti também me fez quem sou.
Foste a primeira a fazer-me voar. Quando eu não podia, sequer, saber que existia um risco por detrás do voo. E, por me teres mostrado o riso antes das lágrimas e o céu antes da queda, acabei por ganhar a confiança que me fez lutar pelos meus sonhos. Quando ainda todos me tinham no universo cuidado de colos e seguranças, tu acreditaste que podias – e que eu conseguia – voar.
Presa à terra que te firma os pés no chão matemático da vida, não sei bem se sabes que também consegues – voar. Mas eu sei que sim. Estarei aqui para o impulso. No mar da nossa cumplicidade. E sempre que precisares, sabes que tens de mim, não só o amor, mas também as asas que me deste.



Marina Ferraz

*Imagem retirada da Internet



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