terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Nas terras altas


Ouvi dizer. Vai haver chuva nas terras altas. Nas… terras… altas. Nas terras do céu? Será lá, onde moram os Deuses? E, se chove nas terras divinas, o que podemos esperar nós, meros mortais, sem controlo nem razão? Ouvi dizer. Vai chover. Nas terras altas.
Vai chover. Mas quem é que controla a chuva? Se, sobre as cabeças etéreas do que se faz dogma se sente o cair das gotas do tempo, quem pode dizer que é rei do firmamento?
Vai chover. Nas terras altas. Sobre as casas. Sobre os carros. Sobre as árvores e os penedos e as rochas e os rios. Sobre as cabeças dos Deuses. Todos eles. Seja qual for o credo.
Talvez, sobre os divinos ombros, façam surgir um guarda-chuva feito de fio de ouro e raio de sol. E talvez não saiam molhados da tempestade. Mas não podem travá-la. Já disseram. Vai chover. Nas terras altas.
Ecoa o trovão. Soa. Ressoa. Penetra os meandros da cidade onde as raízes alicerçadas fazem crescer prédios e moradias. A floresta é de cimento e betão. Faz soar mais seco o raio, à medida que deixa de ser luz e passa a ser som. E, atrás dele, o murmúrio miúdo. Contínuo. O principiar invernal de uma cascata fina, feita de lágrimas-nuvem.
Todos nós. Homens e Mulheres. Sediados na morada que assenta em vales e montanhas. Orando aos Senhores das Terras Altas. Louvando os Senhores das Terras Altas. Mas disseram. Ouvi dizer. Vai chover. Nessas terras. Lançaram avisos e alertas. Dizem que vai ser pior lá. Nas terras altas.
Do outro lado. Fora da janela. Fora de mim. A chuva. O trovão. O aviso. O alerta. Gotas que se formam no vidro. Desenhos que se criam à medida que as gotas se acumulam e escorregam. Gotas. Rios. Pensamentos. Enclausurados atrás dos meus olhos. Loucos. Fixados na chuva que cai. Abertos. Demasiado abertos para não criarem estranheza entre os que se dizem normais e sãos.
Mas a louca quer saber: por que razão é que chove lá? Nas terras altas. E por que razão pedimos o impossível a quem não consegue, sequer, travar a chuva? Quem é este Deus, tão pequeno e susceptível à tempestade?
Pergunto. Ninguém responde. A voz da rádio insiste. Vai chover nas terras altas.

Talvez a chuva seja Deus. Um Deus que chora. Como eu. Um Deus que é louco e incontrolável. Um Deus que cai e ascende. Em todo o lado. Até nas terras divinas. Até nas terras do céu. Até nas terras altas.



Marina Ferraz

*Imagem retirada da Internet



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