Imagem gerada pela I.A.
Algumas pessoas dizem que escrevem para não enlouquecer. Eu não. Ler e escrever são, para mim, formas de fugir da normativa normalizada normalmente imposta.
Talvez alguns consigam olhar uma folha em branco e desligar a mente no discorrer de palavras. Talvez alguns consigam ler um livro e desligar o sensor que os liga ao circunstancial momento do mundo. Eu rasgo as mãos e sinto as vértebras dos segundos quando a caneta desliza no caderno, quando os dedos pressionam as teclas do computador, quando um autor diz nas linhas e nas entrelinhas, nas palavras e nas entrepalavras o tanto que eu queria expressar (e nem sempre consigo).
A literatura – minha e dos outros – é uma câmara sadomasoquista na qual entro já à espera de sentir. Depois, o meu cérebro autista faz o seu bom trabalho de remistura, sentindo-o demais, E é uma sensação de rasgão interno em cada virar de folha. E é uma sensação de cegueira em cada acender da tela. E é um desnorteio na imprevisibilidade das palavras que me saltam do estômago, como se vomitasse para o papel o espaço que fica entre cada fio do pelo da gata que, entretanto, aterrou ao meu colo.
O devaneio vem. É, simultaneamente, apagão e o acender de todas as luzes do mundo. Não vejo muito, mas sei demais. Eis a visão que falta aos que, alegadamente, são normais: a de dentro. Nesse queimar dos olhos, posso garantir que vejo o rosto da fome e do frio, as mãos encardidas da guerra e do tormento, o arrastar de gentes ao bel-prazer de chefes – uns de Estado, outros de atestado, outros de atentado. Vejo o fechar da boca das mulheres e o abrir involuntário da vulva. Vejo o maltratar das crianças. Vejo o maltratar das crianças por outras crianças. Tenho a minha alma arrancada – talvez como os dedos do menino de Cinfães – presa na porta que dá para a Liberdade.
Algumas pessoas dizem que escrevem para não enlouquecer. É tarde para mim. Eu nasci louca. Ler e escrever é fuga, porque as palavras saem por vias que enganam o corpo calado, de lábios colados um ao outro, e ele não dá conta que se está a entregar às vergastadas dos outros.
Enfim, algumas pessoas dizem que escrevem para não enlouquecer. Eu escrevo para não normalecer. Essa normalidade dormente, padronizada e triste que é âncora e, por sê-lo, nos afunda mais e mais na água turva do momento.
Eu escrevo para ser louca, mesmo. Talvez não seja bom ser-se louco. Mas – olhando em volta – é melhor do que a alternativa. Os normais estão a destruir o mundo.
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