Surpreendo-me sempre com as cores de outono e o ódio. As cores do outono porque transformam o cenário num outro, tão raro. O ódio porque transforma o cenário num outro, tão comum. Por entre o acender precoce das luzes de Natal, com o aproximar das promessas sempre incumpridas de paz da época festiva – que saudades ficam dos tempos em que se lhe chamava Yule! – os gritos e ofensas cobrem até a voz da Mariah Carey, que – pobre coitada – já anda desde 1994 a mendigar a mesma prenda, sem que ninguém tenha a benevolência de lha dar.
O ódio não é apenas arremessado nas ruas e nas filas dos supermercados. Passa em horário nobre e tem um canal que o patrocina com as cores da bandeira.
Surpreendida pela inevitabilidade da degradação do homem, dou por mim a pensar no transhumanismo. Na invasão da máquina, no uso do digital, na forma como se cultiva a esperança de um homem sem doença, sem envelhecimento, sem morte. Um homem melhor que o homem. Um homem cibernético, híbrido, eterno. Assusto-me com a ideia de um homem além de si mesmo, e mais ainda com a ideia do homem sem morte. Fico a desejar que se descubra antes onde está o sabor da doçura. Porque nunca o fim pareceu destino mais doce.
Olhando o país e o mundo, o poder do ódio na política moderna, a facilidade com a qual todos nos tornamos escravos ou despojo fácil de substituir, dou por mim a pensar que o maior problema dos Estados é serem (má) figura paterna. Um Estado-mãe não destilaria ódio nenhum. Vá, venham agora os puristas exigir-me outra lição de gramática sobre a dupla negativa... não quero saber! Não destilaria ódio nenhum! Repito-o. A repetição é um recurso estilístico forte e que defenderei até à morte (se o transhumanismo não me roubar a esperança de morrer um dia). Mas, voltando ao Estado-mãe. Não creio que houvesse uma descarga de ódios se isto sucedesse. A mulher é dotada, sempre o achei, de um amor inerente à condição. Como se viesse dos ovários, do clitóris, do útero... vejo pela minha própria mãe! Nunca a vi distinguir pessoas por nacionalidade, sexo, género, profissão, cor de pele, sotaque ou outro critério semelhante. Vejo-a a olhar para as pessoas como se fossem pessoas, guardando apenas um lugar de depreciação e antipatia para com aqueles que não lhe devolvem os Tupperwares.
No palanque dos sapientes doutores de fatinho, um conjunto de pessoas que nem sabe o que é reservar comida em Tupperwares, come caviar e vomita sentenças. Perguntaram-me recentemente como esquecer alguém que se ama. E eu, que afirmei não ter respostas – tenho 12 anos consecutivos de motivos a confirmar a minha absoluta inutilidade no que às questões da superação diz respeito – posso no entanto apontar os nossos governantes, que tanto afirmam amar Portugal, como exemplo perfeito de alguém que esquece depressa e eficazmente o que diz amar.
Lá fora, a árvore tem as folhas pintadas de vermelho. Não é a primeira vez, mas é como se fosse. Cada outono é o meu primeiro outono. Olho para elas com o mesmo brilho no olhar. Quero que a paz do Yule se acenda com as luzes que já ponteiam os centros comerciais. Quero esquecer o ódio que grita e converte e alastra, qual pandemia sem expetativa de cura. Quero apagar esse ódio e voltar a conhecer o sabor da doçura... Mas, lá está, querer não é poder. Ao menos, a Mariah Carey – também fã da repetição – ensina-nos isso todos os anos... e olhem que ela só quer uma coisa!
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