Caro Senhor Presidente,
Escrevo-lhe em nome da nossa mãe. Ela não me pediu que o
fizesse e não o faria por si só. Diz, por ações, que não precisa. E afaga-me o
rosto com a mão do vento, assegurando-me de que vai ficar tudo bem. Na sua
suavidade primaveril, ela vai dizendo que nos ama. A mim e a si. E a todos os
outros filhos, de forma igual.
Na noite, ela ainda me embala com a mesma canção lunar que
também a si chega, sem cobranças nem palavras de ódio, nem ressentimentos. E,
nos dias de sol, ela ainda nos beija a pele, dando-nos a dádiva dourada da
felicidade estival.
A nossa mãe não deixou de o amar. Ainda é dela a respiração
que lhe permite subir aos tronos onde se cultivam guindastes e se semeia betão.
Ainda é dela o ar que faz vibrar as cordas vocais, permitindo que chovam
torrentes de detrito orgânico que não servem nem os fins da fertilização dos
campos agrícolas.
Ela não deixou de o amar. Mas eu disse-lhe: «Mãe, este homem
que te ofende e te destrói não é meu irmão e não o amo». Pacientemente, ela
fez-me olhar a distância. Perder as contas das estrelas e dos rasgos de luz no
mar. Esquecer a mágoa nas clareiras das árvores. Aprender a cantar juntamente
com as cotovias simplesmente porque amanhece. E, abrindo-me os olhos com uma
suavidade só sua, respondeu. «Não semeies ódio, esperando que te cresça amor».
E eu aprendi, aos pouquinhos, com uma paciência muito menor do que a da nossa
mãe, a não o odiar.
Não lhe vou pedir que saia da sua mansão de pedra branca
para visitar esta mãe que tanto o ama… porque sei que, provavelmente, lhe veria
apenas o potencial rentável na destruição, qual filho que não quer mais do que
herança que vem depois da morte. Mas escrevo, ainda assim. E faço-o porque a
minha geração terá filhos, e os seus filhos terão filhos que serão também pais,
mais tarde. E nesta história de nascimentos e vidas, a nossa mãe poderá começar
a sentir a revolta que as suas mãos plantam – com ódio – esperando, não amor,
mas lucro.
Não vou dizer para abrir os olhos. Não. Para quê? De olhos
abertos, ainda será cego, no encadeamento desse ouro que não vai levar para a
cova. Mas vou dizer que sei que, no final, no derradeiro final, vai cumprir o
desejo da nossa mãe.
Senhor presidente. A terra que governa, têm-a por sua. Mas
não o é. Não é a Terra que nos pertence. Somos nós que pertencemos à Terra. E a
mãe que nos dá vida e nos abarca, recebe-nos num abraço que nos torna, também a
nós Terra. Havemos de a fertilizar, com a nossa carne e os nossos ossos.
Havemos ser unos com ela e uns com os outros.
Senhor presidente. Escrevo-lhe em nome da nossa mãe. E
gostaria de dizer que ela o condena. Mas não. Ela não precisa de si, nem do seu
esforço, nem da sua redenção. Por mais que lhe tire, de forma abrupta e sem
consideração, ela continuará a dar, sem pedir nada em troca.
Senhor presidente. Hoje planto palavras onde não quero
silêncios. E falo em nome de uma mãe cuja voz soará muito depois de não se
ouvirem os seus gritos no púlpito. Escute. Está em todo o lado. No sopro do
vento. No toque da terra. No nascer do sol. E cada dia que nasce é uma vitória.
Porque ela, que só lhe quer bem, fica um passo mais perto do abraço que, em
medidas ilógicas, hoje não pode dar. Aquele abraço final que se dá na terra, à
medida que nos arrefece o corpo e nos vinga alma. Aquele abraço que se dá
quando nós próprios retornamos à origem e nos tornamos mais ricos do que a
ganância humana.
Senhor presidente. Escrevo em nome da mãe. Da Natureza. Ela
não me pediu que o fizesse e não o faria por si só. Diz, por ações, que não
precisa. Mas sei que anseia por o encontrar, para esse abraço final que vos
tornará unos. Anseia. E todos nós, senhor presidente, talvez com um pouquinho
mais de rancor no coração, ansiamos o mesmo.
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