Não faço malas. Usualmente, a bagagem é leve. Não vou a lado
nenhum. Eu disse-te que não ia. Apesar daquele esgar de contrariedade,
acompanhado do revirar de olhos. Não vou a lado nenhum. E, por isso, a bagagem
é leve. Não faço malas.
Algures, por entre o trabalho que me enche os dias, encontro
o alento sedentário dos sentidos. E dizem-me. Devias. Tirar férias. Ou um
fim-de-semana. Ou um dia. Umas horas… Talvez. Mas para quê? Para olhar para as
mãos que despi de anéis? Para olhar para as paredes que despi de fotos? Ou para
olhar para o corpo que não quer despir-se, excepto para os ritos de higiene
diária?
Há um toque de conforto no trabalho que chega. E no mergulho
de profundidade que nele dou, até me esquecer de ser gente e de respirar. De
tão cansativa, essa vida sem ar nem sentido, faz também eficazes os mergulhos
no colchão e na almofada. Há um cansaço que me move, que me leva ao sono rápido
e sem sonhos. Não durmo tempo suficiente para sonhar. E isso é a dádiva dos
dias.
Pedem-me. Tira umas férias. Mas o amor que fica depois do
amor partilhado é mágoa. E a mágoa mói. O amor não tira férias e, por isso, eu
também não.
Não faço pausas prolongadas. Usualmente, basta o tempo que
me separa os passos da máquina do café. E o café, se impulsiona cérebros ou
ideais, não é para intervalar trabalhos mas para os acompanhar. Bebo-o de forma
casual, com a inútil mão esquerda, enquanto a direita trabalha pelas duas, nas
teclas do teclado.
O teclado faz um som que é musical nos meus ouvidos,
demasiado carentes de outros dedos noutras teclas. E suprime a necessidade e o
desejo de ouvir música. Porque instrumentais me fazem arder o peito, solos de
piano me fazem arder o nariz e há uma lágrima insistente em cada linha das
partituras de Chopin. A música incomoda. E, quanto melhor for o toque de
suavidade que ela faz, vibrando-me cordinhas cerebrais de memória, mais
incomodativo é o seu toque. As gotas da chuva não são cântico que se ouça
quando se quer travar o choro. E o silêncio parece brio de contemplação.
Fico-me por ele.
Pedem-me. Tira uma semana. Para ti. Lê. Ouve música. Vai ao
cinema. Mas o amor que fica depois do amor é memória cortante. E os cortes
dilaceram. O amor não tira semanas e, por isso, eu também não.
Não faço banhos de imersão. Só duches rápidos entre texto e
texto. Aplicações monótonas e repetitivas: sabonetes e champôs e produtos que
tentam remover a maquilhagem à prova de água e que também parece ser à prova de
sabonetes e champôs. Descobri que água e sal a remove. A maquilhagem. Descobri,
depois de muitas lágrimas borradas a preto nas faces.
O sofá odeia-me e eu odeio-o de volta. Mas serve de base aos
dias que me escrevem a solidão na forma de obsessão pelo dia de amanhã. E uso-o
para trabalhar, porque não tenho vontade nem paciência para nele fazer outra
coisa. Fico nele. Não vou a lado nenhum. Eu disse-te que não ia. Apesar daquele
esgar de contrariedade, acompanhado do revirar de olhos. Não vou a lado nenhum.
Pedem-me. Tira um dia. E estou cansada. Cansada demais para
lidar com um dia na descoberta do que é o amor que fica quando o amor não
ficou. O amor não tira folgas e, por isso, eu também não.
Perguntem a quem quiserem. Em cima de brasas acesas, é
melhor estar em movimento.
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