Autor da foto: Ricardo Torb
“Não vejo a minha
asa.” Foi isto que ela disse. Andando no meio de anjos e escuridão. Como quem
procura, não a asa, mas uma casa. Para morar, no meio das telas e das luzes. Um
toque de desnorteio e três de amor. Porque o coração é maior do que o medo. E, encontrando
a asa, não foi no céu que se deitou, mas no chão. Um momento de rendição que
era arte e vida. E que iniciou, com um canto de cidade angélica, o que viria a
ser uma jornada partilhada, onde almas se davam e recebiam.
Estávamos lá. Novamente. Naquele lugar onde só vai quem
permite o desafio. De ir. Mais longe. Mais depressa. Fora do corpo. Na
velocidade que os corpos não atingem. E, desta vez, eu não era um corpo que
queria estar presente, mas a presença fora de um corpo que estava onde queria.
Depressa as asas subiram e a tela desceu e a guitarra se tocou. Depressa os
anjos deram lugar a festas de aldeia e sentimentos de luta contra a solidão.
Depressa, no som quente de uma voz que avivava pétalas em olhos alheios,
entrávamos derrubando solidões e medos e dores no chão negro. Depressa nos
despíamos ritualmente do que não queríamos.
“Não vejo a minha asa.” Não foi o que eu disse, mas foi o que poderia ter dito. Porque tudo o que eu via era o libertar das penas. Essas que, não compondo asas, compõem males no peito que se dá às balas quando (quase) tudo é amor.
Às vezes, nesses passos, pé ante pé, libertando medos e
anseios ao universo e colhendo dele só o melhor, questiono se sou um ser que
dança para não chorar ou um choro que se cala para que eu dance. E questiono se
me caem medos e solidões ou apenas lágrimas na forma de papel, pintando o chão.
E do chão haveriam de ser colhidas, por alguém que pouco sabe de mim.
Mas, de repente, os pés nus libertam-se do chão. Meu amor.
Libertam-se do chão, como se mãos se prendessem às coxas e eu pudesse subir até
ao topo das nuvens altas. Olha, penso, é ali que ela está. A minha asa. A minha
casa. O meu lugar. E estendo o braço, agarrando a vontade de ser. Não a vontade
de ser de alguém. Mas a vontade de ser completa em mim. Agarro a solidão que
larguei no chão, colhendo-a na névoa das nuvens, e digo-lhe: ama-me. E,
rendida, ela obedece.
Por me obedecer, de uma forma completamente passiva e
masoquista, essa solidão não se encanta com o braço que me atira para o canto,
não se ilude com a partilha do corpo que se encosta ao meu e sabe, por
instinto, que vai perdê-lo para alguém melhor lá ao lado. Em desistência, os
passos que se dão até ao centro da vida, ignoram que se abracem gentes. Vão
firmes e compassivos, sem inveja nem ansiedade. Mas libertam-se em movimentos
bruscos, avançam. E aguardam, numa vénia de rosto que quer a chuva nos olhos
para esconder a ausência das lágrimas.
Toda a gente se abraça. Toda a gente se quer. Eu não. Eu
abraço a presença de quem não está. Abraço o lugar vazio onde se sentam os
meus. Aqueles que partiram. Aqueles que foram obrigados a partir. Aqueles que
me abandonaram. A memória deles deita-me ao chão. E, deitando-me ao chão, faz
de mim novamente feto, desejando o calor do ventre materno que me expulsou para
sofrer. Mas rodo. Ergo-me. Sou braço que se fortalece e ergue alguém. Aceito a
rotação breve que o mundo me dá. E corro. Corro loucamente a implorar que me
envolvas mais uma vez. Que embarques. Nessa aventura que eu sou. Porque não há
tempo.
As luzes baixam. Não vejo a minha asa. Não tenho a minha
asa.
Tenho um lugar vazio. E és tu.
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Tão lindo, Marina.❤
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