terça-feira, 5 de outubro de 2021

1 de Outubro

 Fotografia de Analua Zoé


 Para o meu avô


1 de Outubro.

 

Li que hoje é o dia da música, e da água, e do idoso, e do vegetarianismo, e do vendedor, e do café.

 

Parece que todas as coisas se reuniram num só dia. Parece que queriam simplificar a celebração das festas. Ou dividir despesas. Poupar dinheiro no aluguer das roulottes de churros e dos palcos provisórios e dos salões de festas das juntas de freguesia.

 

Devem ter-se entendido bem, já que o café e a água são vegan. Devem ter-se entendido bem, porque sabemos que todo o vendedor gosta de idosos, para lhes impingir as coisas de que não necessitam e receber as suas comissões astronómicas, provenientes da infoexclusão e da solidão calada e da miséria escondida e envergonhada.

 

1 de Outubro.

 

Li que hoje é o dia da música, e da água, e do idoso, e do vegetarianismo, e do vendedor, e do café.

 

Pensei, para comigo, que até gostavas de alguma música e de café. Troçarias provavelmente dos “coelhos” que só comem legumes. Dispensarias a água, em prol de vinho. Acusarias o vendedor de ser “gatuno”. E continuarias, idoso, a sorver o teu cigarro e a ler o teu policial, sem fazer caso da televisão, onde dizias sempre que não havia nada de jeito.

 

Ignorarias formalmente o dia que é hoje. Fosse da música, ou da água, ou do idoso, ou do vegetarianismo, ou do vendedor, ou do café. Dirias só: “agora há dia de tudo!”. Terias razão.

 

1 de Outubro.

 

Correndo o feed surgem notas, aqui e ali, mais ou menos cómicas sobre o dia que é hoje. E vou correndo as publicações, com uma irritação só minha, vendo elogios tecidos a um dia que já odeio há quinze anos.

 

Leio. 1 de Outubro. Hoje é o dia da música, e da água, e do idoso, e do vegetarianismo, e do vendedor, e do café.

 

Mal ouço música. Já bebi água e café hoje. Não sou vegetariana. A única coisa que vendo é um cérebro agitado, para adoção responsável. Sinto-me velha... e rezingona. Neste 1 de Outubro.

 

Não sei, na verdade, que dia é hoje. Quero que se foda o dia que é hoje. É isso que eu quero! Porque corro o feed das redes sociais. Celebram, como se importasse, o dia da música, e da água, e do idoso, e do vegetarianismo, e do vendedor, e do café.

 

Quero que se foda o dia que é hoje. Porque ainda não li em lado nenhum. Mas hoje é o dia em que te perdi. Hoje é o dia em que o mundo ficou mais vazio. Hoje é o dia em que eu fiquei eternamente presa à saudade.

 

Sim. 1 de Outubro é o dia da saudade. Não mundial. Não internacional. Mas da minha.


Marina Ferraz





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1 comentário:

  1. Bom texto com direito a reviravolta. Bravo!

    PS: Proponho criar mesmo "dias individuais de seja o que for". Só para não ficar nada de fora.

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