terça-feira, 27 de junho de 2017

Não te deixo morrer



Não te deixo morrer. Porque te amo. Calar a voz que me une a ti seria cortar os laços. Não os corto. Por mais que digam que é largando a imagem que se faz futuro. Não te deixo morrer. Porque te amo.
Dou o teu nome às estrelas. E às flores. E aos poemas. E sigo, passo após passo, nas pedras cinzentas das ruas que também te têm. Dou o teu nome a essas ruas e a essas pedras. Pouco importam os governadores e heróis que lhes marcam morada. Pouco fizeram pelo mundo. Nada fizeram por mim. Amo-te. E, por isso, não. Não te deixo morrer.

Fico a imaginar que o teu próprio conselho me diria: “vai, deixa-me e sê feliz.”. Mas eu sempre fui teimosa, irreverente, cheia de mim. Não vou! Ou, se for, levo-te comigo e dou o teu nome a outras ruas e outras pedras. Não te deixo. Não posso deixar-te e ser feliz.

Há cânticos na voz dos monges etéreos que regem o tempo. E o meu é cada vez mais escasso. O teu é eterno. E, juntos, somos ponteiros dissidentes, que insistem em andar de frente e para trás, sem cuidado, conforme lhes aprouver.

Tenho malte nos lábios que sequei de ideologias e conselhos dados sem que ninguém pedisse. Fiz mais mal do que bem na vida e a alma é mácula e sopro e descoberta. Fiz muito mal na vida. Matei e esqueci muita gente. Alguns, matei-os ao esquecê-los. Outros, matei-os porque os esqueci. O esquecimento é morte. Pior que a morte, talvez.

Ouve. Tu não. Tu és a luz que me faz livre e me sustenta. Não te deixarei morrer. Porque te amo. Não hoje. Não amanhã. Não até que seja eu a ser esquecida nos meandros do pensamento de alguém.
Mas enquanto houver uma folha, ela vai ter-te em memória, sejas fantasma de caligrafia ou impressão. Preto no branco. Branco no preto. Declarações que te façam sobreviver no centro da efemeridade deste mundo cada vez mais débil e insolente.

Dou o teu nome à tinta e ao papel. E à mão que escreve fora de mim, sem que eu pense no que faço. Dou o teu nome aos olhos de quem lê. E às suas lágrimas. E aos seus sorrisos.

Não te deixo morrer. Porque te amo. E é porque te amo que acontece o tecer da imortalidade. Ser eternamente jovem é criar laços que perdurem nos lábios alheios. Ser eternamente jovem é ter alguém que nos conte a história e nos faça estrela, rua, pedra da calçada.

A memória é a forma mais peculiar de manter alguém vivo. Frequentemente mantendo vivo apenas o melhor. E é ela que diz: Não te deixo morrer. Porque te amo.

A declaração mais pura de amor nasce na semente que repele o esquecimento. E, porque não esquecemos, sabemos que é amor. E como não podemos dizê-lo, damos nomes às estrelas e às ruas.

Insistimos.

Não.

Não te deixo morrer.

Porque te amo.

E, de repente, dizemos. As palavras proibidas, sem querer.

Porque te amei. Porque te amava.

E recomeça tudo… outra vez.


Marina Ferraz


*Imagem retirada da Internet




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