terça-feira, 10 de março de 2020

O pacto

Fotografia de Analua Zoé 


    Não. Não preciso de fazer um pacto contigo. E preciso que entendas. Que o farei, se precisares. Se quiseres. Se insistires que devemos. Mas não. Não será porque precise. Não preciso de fazer um pacto contigo.


    Ser tua não é uma promessa. Nem uma escolha. Foi algo que aconteceu, de forma descontrolada, no meu corpo. Um dia, todas as células que não decidiram cometer suicídio, resolveram reestruturar-se em mim e meter um pouco de ti dentro delas. Algures, na manhã seguinte, eu acordei e não me pertencia.

    Tentei. Como tenta qualquer pessoa consciente e com a maldição da racionalidade, tirar-te do núcleo das minhas células e pôr-te só num patamar mais suave, como as suas membranas. Mas nem sal. Nem sálvia. Nem incenso. Nem tónicos. Nem o chá da minha avó materna. Nem as mezinhas da minha bisavó paterna. Nada funcionou.

    Perguntei às cartas de Tarot. E elas disseram-me, três vezes seguidas, que eu estava a ser idiota. E eu suspirei. Idiota. Triplamente idiota. Porque também ninguém acredita nas cartas de Tarot quando não gosta do que elas dizem.

    Um dia, todas as células que decidiram não cometer suicídio, resolveram reestruturar-se em mim e meter um pouco de ti dentro delas. Algures, na manhã seguinte, eu acordei e não me pertencia. E o pacto que não fizemos estava selado. Provavelmente, para ti, não passou de um sonho. Mas, para mim, foi como ter um desígnio mil vezes mais assustador… porque ainda que dormisse, eu não sonhei. Acordei. E soube.

    Esse pacto poderia ter sido feito com palavras de eternidade. Podíamos tê-lo feito no centro da cidade, por entre o movimento, sem notar que existia mais alguém no mundo. Ou no meio da minha sala, ao lado do fatídico sofá que eu odeio cada vez menos. Ou no meio da serra, por entre árvores que sabem que eu sou monstro e tu também… e que está tudo certo, porque somos o mesmo tipo de monstro.

    Preferia, talvez, esta última versão: tu e eu, no lugar onde as tágides cantam e só o vento nos interrompe. E, tudo bem, podíamos dizer qualquer coisa, muita coisa ou coisa nenhuma. Porque as palavras não importam. E os olhos falam por nós. No meio da floresta, talvez percebesses que eu não sou domável, que eu sou selvagem, que eu sou livre. Mas, no meio dela, perceberias que, dentro de mim, também tu o és.

    Tenho-te dentro. Carne e sangue e seiva e alma e rio. Tenho-te dentro, no núcleo das células teimosas. E não posso dizer-te que estarei aqui, ainda que outra paixão venha. Porque a ideia de outra paixão me causa náuseas, de te ter no horizonte de tudo o que o meu olhar alcança. Não quero outra paixão. Não quero nada. Quero-te. Sem termos nem regras nem noções forçadas. Quero-te.

    Prometo-me a ti ao não fazer promessas. E cumpro o pacto mais antigo do mundo. Aquele que é feito, de forma inconsciente, inadvertida… não no centro da cidade, no centro da sala, no centro da serra… Aquele que é feito, de forma inconsciente, inadvertida no centro de mim.


    Não. Não preciso de fazer um pacto contigo. Posso fazê-lo. Se quiseres. Se precisares. Mas não. Não preciso de fazer um pacto contigo. Porque o pacto se fez naquele abraço que me tornou inteira outra vez. Estás no núcleo das minhas células. Dentro da redoma do meu coração. E na voz do vento que te beija quando eu não posso.





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