terça-feira, 19 de maio de 2020

Uma árvore


Fotografia de Analua Zoé


Nasces. Cortam uma árvore para te fazer o berço.

Cresces. Cortam uma árvore para te fazer um baloiço.

Vais para a escola. Cortam uma árvore para fazer a tua secretária. Outra para fazer a tua cadeira. Uma centena para fazer os teus lápis. Um milhar para fazer os teus cadernos e livros.

Chegas a adulto. Aprendes a conduzir. Cortaram uma floresta para abrir a estrada que atravessas. Derrubam uma segunda para construir a tua urbanização.

Conheces o amor da tua vida e casas com ela. Nasce o primeiro filho.

Cortas uma árvore para lhe fazer o berço.

Cortas uma árvore para lhe fazer o baloiço.

Leva-lo à escola onde secretárias, cadernos, cadeiras e lápis são árvores mortas.

E, um dia, morres também. E a madeira do teu caixão foi outra árvore cortada.


Ao longo dessa vida, foi na árvore que penduraram o teu baloiço e o do teu filho. E foi a árvore que recebeu as brincadeiras dos teus intervalos. E foi nela que cravaste as tuas iniciais e as da mulher com quem virias a casar. 
Debaixo dessa árvore, fizeste piqueniques com a tua família e puseste o teu filho às cavalitas para que atingisse a maçã e comesse, alegre, o fruto da terra. Na sua sombra, bebeste o aroma das flores da primavera e o adocicado mel veraneante da frescura. 
Curaste as tuas doenças com os seus compostos. Regaste refeições com os seus frutos pisados. Respiraste-lhe o ar.

Nasces. Cortam uma árvore para te fazer o berço.

E és feito de um sem fim de momentos-árvore onde, vivas ou mortas, te servem ao longo de toda a vida.


Aprendes que és seu dono, sem perceberes que és seu filho. E deixas. Que cortem.
E ela perdoa-te. Abraça-te. E, por fim, baixa contigo à terra.


Porque a árvore não conhece a maldade. Apenas o amor.






Sigam também o meu instagram, aqui






1 comentário: