Disseram-me: só conheci uma pessoa verdadeiramente livre. Estavam a falar comigo. Estavam a falar de mim. E este foi o maior elogio que alguma vez recebi. Em 35 anos de vida, este foi o elogio mais bonito que ouvi uma pessoa dar a outra. E só fica, dentro de mim, a embater contra carne e ossos, a certeza de que não o sou. Verdadeiramente livre.
Todos os dias nos levantamos para os inevitáveis e as regras mundanas. Assumindo os acontecimentos com fatalismo. Aceitando-os e naturalizando-os, como se a norma social não fosse artificialmente construída. Rezamos ao Deus dos nossos pais e avós, evitamos impropérios, estabelecemos relações monogâmicas, seguimos uma linha “coerente” de vida, seguindo do liceu para a faculdade, da faculdade para o trabalho, do trabalho para a reforma; do namoro para o casamento, do casamento para os filhos, dos filhos para o divórcio. Subjugamo-nos ao ser bom aluno, ser bom marido ou esposa, ser bom pai ou mãe, ser bom profissional, ser cumpridor das normas, ser o que nos disseram para sermos... e sim, este uso da primeira pessoa do plural é em si uma convenção ancorada no politicamente correto. Porque eu não o faço, não quero fazê-lo e só não digo que detesto quem o faz porque não posso detestar o mundo quase todo e viver uma vida plena e feliz... mas detesto, isso sim, saber que as pessoas fazem isso a si mesmas.
Dizem-nos, falando da norma: vai por aqui, que é o caminho da felicidade. Mas quase ninguém é feliz na norma. Então, convenciona-se que é normal não estar feliz. Ter de lutar pela felicidade. Pelo sonho. Plantar hoje para colher amanhã. E plantamos, plantamos, plantamos... sementes e sementes e sementinhas do que não vamos colher, alimentando as mesmas galinhas gordas que entenderam tudo e riem, dos seus palanques, atirando ovos dourados - esmola ocasional para criar a ilusão de retribuição.
Olho para a norma e não encontro, de raiz, nada de errado nela. Porque é sempre essa a defesa dos que se ofendem com a Liberdade. Mas eu sou mesmo católico. Mas eu quero casar. Mas eu quero cumprir o meu papel de esposa. Mas eu quero ser um bom empregado. Mas eu quero... Fantástico! Está tudo certo. Podemos querer ser o que nos dizem para sermos, desde que saibamos que não estamos a sê-lo apenas por isso. Ser porque os outros são. Ser porque os outros dizem. Ser porque aprendemos o A-B-C do status quo e acreditamos que é a única forma... isso é o que o me incomoda. E incomoda-me porque, quando assim é, nem as pessoas são livres, nem deixam que os outros o sejam. A prova disso é que vivemos num tempo estranho onde a modernidade se mescla com o conservadorismo e passa a integrar princípios arcaicos de apatetado moralismo e puritanismo. Um tempo no qual a censura é desvelada, acontecendo diariamente, mesmo em frente dos olhos complacentes de meio mundo.
Acredito na Liberdade. Acredito nela de uma forma tão plena que acho que toda a gente deveria libertar-se das amarras constrangedoras do politicamente correto e socialmente aceitável para ser o que quiser, mesmo que isso seja divergente da artificial norma. E, ao fazê-lo, deveria dar espaço para que o outro possa fazer o mesmo, ainda que o faça de uma forma diferente. Ser e deixar ser. Mas ser, realmente. E deixar realmente que o outro seja. Sem invasões de espaço, sem imposição de limites, sem constrangimentos e preconceitos, sem julgamento, sem cobrança.
Para nos limitar, já temos a lei. Não precisamos uns dos outros.
Por isso, quando me disseram,
lágrimas nos olhos - só conheci uma
pessoa verdadeiramente livre – e estavam a falar de mim, eu sorri. Eu não
sou verdadeiramente livre. Mas gosto de o ser nos olhos de alguém... porque só
eu (e os meus idos) sabemos como
estou a tentar. A Liberdade é uma semente que plantei no solo da minha vida e
que rego regularmente. E, sim, monto-lhe guarda cerrada!... Porque há sempre
uma galinha gorda por perto, a querer comer a semente a troco de um ovo de falso
ouro. E eu tenho uma ideia do buraquinho em que, com os impropérios aplicáveis,
devo mandá-la enfiá-lo...
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