terça-feira, 13 de novembro de 2018

Aprender a ser feliz



Aprender a ser feliz é horrível. E é por isso mesmo que a maioria das pessoas não quer fazê-lo. Aprender a ser feliz é horrível.


Desencantam-se as vozes para contar tragédias. Há marés de comiseração e pena. Coitadinho: tão boa pessoa e não merecia. Foi a vida. Foi o mundo. Foram os outros. Foi o desígnio dos Deuses. Coitadinho. Uma mão que bate nas costas. Um olhar de ternura, quase materna. E, de repente, um calor na alma amarga que até parece acalmar as mágoas e trazer um pouco de aventurança ao dia que, não tendo terminado ainda, poderá trazer o bom e o mau, conforme a sina assim o ditar. 

Esta é a tua história. Mas não leves a mal. Porque esta também foi a minha história. Esta é a história de muita gente que gosta de insistir na ideia criada, globalmente sustentada e filmicamente reproduzida de que a nossa felicidade está nas mãos de entidades, critérios e condições que nos escapam e nos transcendem.

Estendemos a mão à cigana e focamos os olhos nas cartas de tarot. Queremos ver nas borras do café e descobrir nas rachas da bola de cristal. Será que vamos ser felizes? Será que esta dor passa? Será que o sofrimento não tem fim? E, por detrás de panos e instrumentos, de toques e de análises estruturadas, a resposta dada depende sempre da mesma condicionante e tem sempre o mesmo obstáculo. Sim, dizemos, vais ser feliz mas (existe este mas) vais fazer por isso?

Dizemos que sim. Que vamos fazer por isso. Mas a ideia de termos de fazer algo nas nossas vidas para sermos felizes é algo que frequentemente se interpreta muito mal. Vou, é claro. Pensamos. E depois enchemos os dias de pessoas. Ou de gatos. Ou de filmes. Ou de álcool. Ou de drogas. Ou de roupa. Ou de promoções. Ou de viagens. A busca pela felicidade passa, de forma mais ou menos explicita, pela procura daquilo que nos dá um momento de prazer.

Ser feliz não é ter um momento de prazer. Ser feliz nem sequer é ter, em soma, mais momentos prazenteiros do que desagradáveis. Isso é estar feliz. Ser feliz é outra coisa. Uma que não acontece de forma natural nem por se tentar enfiar dentro do vazio, que é nada, um sem fim de coisas que são sugadas e se mesclam com o vazio até serem, também elas, fragmento de coisa nenhuma.

Ser feliz é uma aprendizagem. Quem aprende a ser feliz não vai ter sempre sorte na vida nem vai, de súbito, conhecer apenas a parte mais doce da existência. Não existe um recanto do mundo programado e modelado para aqueles que aprendem a ser felizes. Não! A dinâmica do mundo é a mesma para todos. Não há ninguém que não acorde mal disposto sem razão. Não há ninguém que não tenha um acidente, uma discussão, um problema, uma dificuldade. A vida de uma pessoa feliz é igual à de uma pessoa triste. E a diferença fundamental está na escolha que se faz. Na postura que se adota. No olhar que se lança sobre a mesma situação.

Mas aprender a ser feliz não é fácil. Implica, para começar, que se olhe para fora, para compreender quão pequeninos somos, no meio de um mundo com tanto potencial e com um potencial tão mal aproveitado. E que, nesse olhar que se dá ao outro, sejamos capazes de nos despir de nós, das nossas ideias e preconceitos, para ver e aceitar que a dor alheia, ainda que não nos doa na pele, pode tomar proporções que nem ousamos pensar e conhecer.

Depois de olhar para fora, é importante olhar para dentro, para percebermos que, na nossa insignificância, somos ainda dotados do privilégio de existir e da inteligência para superar as perdas, conquistar batalhas e resolver problemas.

Uma vez feito isto, é ainda necessário que se encontre espaço para pensar nela. Na palavra proibida. Na inimiga comum, que permeia os tempos, qual presença demoníaca sob o véu do pensamento. A morte. É importante pensar a morte para ser feliz. Porque ela, pela sua iminência e infalibilidade, tem o duplo poder de intensificar os momentos e abrir uma porta de saída de emergência. Saber que vamos morrer faz-nos amar a vida. Saber que podemos morrer faz-nos largar o temor do erro, da falha, da privação.

E, nesse olhar para dentro, para fora e para a morte, há uma coisa que salta aos olhos. Podemos aprender a ser felizes. Porque a felicidade não é um momento e não é uma situação. Não é uma circunstância nem uma casualidade. A felicidade é uma escolha.

Mas aí é quanto tudo se complica! Quando sabemos que a felicidade é uma escolha. Quando sentimos esta certeza, feito toque do sol na pele, torna-se muito mais difícil viver. É horrível. Porque, a partir daí, se não formos felizes não há espaço para desculpas. Não há espaço para atribuição de culpas alheias ao mundo, à vida, aos outros ou aos Deuses. Sim! Torna-se muito mais difícil viver. Porque ninguém quer olhar ao espelho para saudar o único culpado da sua própria miséria. Aprender a ser feliz é horrível. E é por isso mesmo que a maioria das pessoas prefere agarrar-se às convenientes cordas de fatalidade. E sofrer alegremente na inábil e asnada libertação de ser servo das sádicas linhas do destino.

Aprender a ser feliz é horrível. E é por isso mesmo que a maioria das pessoas não quer fazê-lo.


Isto deixa-me triste. Mas a culpa não é minha.






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