Pega-me ao colo. Como se eu fosse menina. Estou tão cansada.
Não do dia. Da vida. Preciso que me pegues ao colo.
Eu sei que já sou outra coisa. Tenho mais do que um metro e
vinte de altura. E penso pela minha cabeça. Pago as minhas contas, mal ou bem,
conforme dá. E decido a minha hora de deitar. Ponho o meu despertador. Vou para
o meu trabalho. Eu sei. Sei que já não sou criança. Mas, às vezes, tal como se
fosse, preciso de colo. Preciso de mimo. Porque o mundo lá fora é um destruidor
nato de sonhos e a minha alma velha insiste com o meu coração, ainda jovem, que
ainda não é tempo de desistir. Pega-me ao colo, por favor. Faz festinhas na
minha cabeça. Diz-me que vai ficar tudo bem. Conta-me outra vez a história onde
se dizia que eu era especial e que podia ser quem quisesse. Eu sei que não sou
criança. Mas sou pessoa. Preciso de colo. Preciso de sonhos. Preciso de ti.
Pega-me ao colo, por favor.
Foi o mundo. Primeiro, foi o mundo. Veio, lá de fora,
meter-se nas entranhas do meu espírito, arrancou-me dos teus braços e disse:
“outra hora, agora não”. Impôs-me metas ridículas, estabeleceu-me horários
impossíveis e desgastou-me até ao ponto incontornável de não haver mais tempo
para me aninhar em ti. E, depois do mundo, veio a sociedade. A sociedade
disse-me que, agora, não era o tempo mas a idade. Como se a idade fosse cargo.
Como se a idade me despromovesse e eu já não pudesse esperar, dos outros, a
mesma afeição. Disseram-me: trabalha e não esperes mais que o carinho seja
parte do teu dia. Crescer era isso mesmo. Crescer era uma treta. Mas eu,
contestatária nata do que o mundo e a sociedade dizem, dei por mim encolhida no
meu canto, depois do trabalho feito e das contas pagas (ou por pagar). E ainda
precisava. Ainda precisava dos embalos que a criancice sempre trouxe consigo.
Eu sei. Sei que sou outra coisa. Tenho quatro paredes em meu
redor e um senhorio que reclama pelas prestações com uma pontualidade tão
genuína que me faz questionar, por vezes, se faz profissão do acerto dos
ponteiros do relógio. E tenho o carro à porta, intercalando entre o barulho
ruidoso do motor e a luz intermitente da falta de gasolina. Tenho o som do
forno, que apita quando é hora de servir o meu jantar e as gatas que miam
quando é hora de servir o delas. Tenho os olhos azuis do meu companheiro de
vida, que vem, todos os dias, para as mesmas paredes, lidar com o mesmo
senhorio, o mesmo carro, o mesmo forno, as mesmas gatas. Olho ao espelho e sei.
Não sou louca. Não sou criança. Mas, às vezes, tal como se fosse, preciso de
colo. Pega-me ao colo, por favor. Faz festinhas na minha cabeça. Diz-me que vai
ficar tudo bem. Conta-me a história de como, no final de tudo, o sol sorri, do
alto, apenas para me ver sorrir de volta. Eu sei que não sou criança. Mas sou
gente. Preciso de colo. Preciso de conforto. Preciso de ti. Pega-me ao colo,
por favor.
É um desentendimento que permanece nas entrelinhas da vida.
Essa noção de que crescemos e deixamos de precisar de carinho. Eu tenho braços.
Eles não foram feitos para segurarem os joelhos junto do meu peito para que
sobre eles possa chorar. Foram feitos para abraçar alguém. É esse o trabalho
dos meus braços. E, se assim é, preciso que o trabalho de alguém seja
abraçar-me a mim. Preciso que o trabalho de alguém seja cuidar de mim. Não
sempre. Mas às vezes. Quando me pesa esta realidade de adulto que ainda não o
quer ser.
Não. Não sou frágil. Sou pessoa. As pessoas fortes também
sentem. Não. Não sou criança. Sou gente. Os adultos também precisam de ouvir
histórias de encantar. Não. Não sou louca. Ou talvez seja. Mas os loucos são
como as pessoas fortes e os adultos: também precisam de atenção. De amor. De
sentir que, algures, entre a confusão que a vida cria no seu ciclo de dores e
contenções, tudo vai ficar como sonhámos que seria.
Preciso de afecto. Preciso de ti. Preciso de sentir que vai ficar
tudo bem.
Pega-me ao colo. Como se eu fosse menina. Estou tão cansada.
Não do dia. Da vida. Preciso que me pegues ao colo. Embala-me, como se fosse
menina. Como se fosse criança. Sei que não sou. Mas preciso disso para poder
levantar-me, depois, e ser mulher.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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