terça-feira, 30 de abril de 2013

A sete chaves




Guarda o meu coração a sete chaves. Ele está quebrado e já não serve para nada mas ainda é um coração. Guarda-o bem, onde não possam usá-lo e torturá-lo mais. Nunca te pedi nada em troca do meu amor. Mas peço-te hoje isto: fecha o meu coração a sete chaves no canto mais poeirento do lugar mais inóspito de ti.
O meu coração já não vale os batimentos. Já não vale as tentativas de reparo. O meu coração está irremediavelmente estragado. Mas, mesmo quebrado e sem valor, o meu coração ainda é um coração e, independentemente do número de cacos em que se divida, o meu coração ainda é teu.
Guarda-o a sete chaves. Não o carregues por aí, nas mãos, à vista de todos. Mesmo sem verem, eles sabem. Eles sabem que eu desisti e sabem que cada sorriso que me aflora o rosto é uma lágrima caída nas profundezas da minha alma. Já não há nada que eu possa fazer para provar a mentira de que estou bem. Mas tu podes guardar os pedaços do meu coração a sete chaves e vender, por aí, a notícia de que já não os tens.
Fechado nos confins do segredo, o meu coração estará quebrado mas seguro. E dirão por aí, já não que estou a sofrer mas que não tenho coração. E está tudo bem. Talvez não tenha. Talvez seja melhor fingir que os cacos do coração que eu tive viraram poeira e se arrastaram pelos ventos até outro lugar que não o teu.
Guarda o meu coração a sete chaves. Mesmo que, olhando para ele, não vejas o reflexo do que um dia ele foi. Mesmo que, segurando-o, não lhe notes a alegria de viver em ti. Guarda-o a sete chaves e não tentes curá-lo com regressos temporários e palavras doces. Guarda-o simplesmente. Fechado onde ninguém veja as suas feridas. Enterrado onde não te pese nem te fira. Onde te esqueças dele e não sintas dó de mim.
Depois de tudo ficam só estes pedidos, gritados na mudez de um pensamento: Guarda o meu coração a sete chaves e sê feliz como ele não pode ser.

Marina Ferraz

*Imagem retirada da Internet

terça-feira, 23 de abril de 2013

Tu, eu e o mar




Senta-te comigo. É fabuloso, não é? O mar. Parece que esteve sempre ali. Vivo. Movimentado. Indo e voltando em ondas e marés. É fabuloso, não é? Ele não se cansa. Eterno e descompassado, embate contra as mesmas rochas há milhares de anos. Luta contra elas, perdendo guerras e vencendo batalhas. Talvez por isso seja salgado. O sal de tantas e tantas lágrimas vertidas nesse confronto eterno com a terra.
Talvez, olhando, não vejas o que eu vejo. Talvez não vejas as cicatrizes do mar, feitas em espuma ou o seu grito no rebentar das ondas. Talvez não entendas a voz rouca com a qual ele brinda o mundo. Mas senta-te comigo e olha-o. Mesmo que não compreendas as formas sombrias com as quais ele conta as histórias do que foi e do que há-de ser.
O mar não se cansa. Não sei como nem porquê. Mas ele não se cansa de ir e de voltar e de lutar por causas perdidas. Procuro e encontro nele lições de vida pois ele sabe ser imortal. E, nas marés do meu pensamento, aprendo que o cansaço é uma forma crua e fria de levar os dias, em ondas de desilusão.
A aprendizagem não é fácil mas está certa. Sei que, se olhares com atenção, vais ver mais do que um infinito de azul e verde. E é por isso que quero que te sentes comigo e olhes o mar. Que respires da calma que ele transmite enquanto guerreia contra as dunas e as paredes escarpadas da montanha. Que recebas no peito a emoção constante dos sons que se seguem e ecoam pela praia deserta das nossas almas.
Senta-te comigo. É fabuloso, não é? O mar. Parece que sabe que vais partir. Parece que sabe que eu vou continuar à espera. Triste. Sozinha. É fabuloso, não é? Ele não se cansou ainda de lutar e eu estou tão cansada! Ele é eterno e eu não quero a eternidade. Não queria sequer a sensação deste amor perpétuo. Cansada. Tão cansada. Mas o mar continua. Contra as rochas e a terra, onda após onda, eternamente. E vai beijando os destroços da guerra, feitos em areia, com uma simplicidade límpida e brilhante.
Aqui sentados... É fabuloso não é? O mar. Ele viu onde começámos. Assistiu ao nosso fim. E continua a lutar, enquanto as minhas lágrimas correm e se juntam a ele, numa luta desleal contra a vontade do destino. Eu sei. Tu levantas-te e vais. Mas eu fico... e o mar também.

Marina Ferraz
* Imagem retirada da Internet

terça-feira, 16 de abril de 2013

A porta das promessas quebradas




"O último a sair que feche a porta, por favor."
Agora é assim. Cansei-me. Cansei-me de pedir, com os olhos cheios de lágrimas: "não sejas como todos os outros, não vás!". Já perdi amigos. Já perdi amantes. Já perdi amores. Todos eles, voltando costas, como se não houvesse amizade, paixão ou amor. E cansei-me das lágrimas. Cansei-me dos pedidos. Cansei-me de deixar o orgulho cair e estilhaçar. Cansei-me de me ajoelhar para apanhar os cacos do meu coração. Se quiseres ir, vai...
Promessas irrealistas e surreais, ouvi-as. Ouvi tantas que começaram a amontoar-se, qual torre sem alicerces,  na inevitabilidade da queda. Já me prometeram o "para sempre". Já me disseram que a minha amizade valia mundos e que nada nem ninguém podia substituir-me. Já disseram que eu era única. A vida ensinou-me a não deixar o ego elevar-se nas palavras. Como todas as outras pessoas, para muitos fui mais uma no caminho, tão usável e substituível como outra qualquer. E, para muitos, se fui a melhor amiga, a melhor amante, o melhor amor, fui-o na sala de espera de algo melhor. De tantas, tantas pessoas fui a sala de espera que, na tua promessa, não julguei ser destino.
Não vou pedir-te para ficares. Não vou atirar-te ao rosto a forma como me iludiste com a ideia de que fosses diferente dos demais. Podes ir. O caminho impera e a meta aguarda. Vai. E não penses que fico para trás a chorar-te ou a lançar maldições ao ar. Vai e sê feliz. Tão feliz como me fizeste enquanto a promessa soou real.
Cansei-me. Cansei-me de ser sempre a passagem. Cansei-me de olhar para a estrada à espera que alguma das pessoas que me abandonaram volte atrás para me reencontrar. E deixei de dizer que perco as pessoas porque compreendi que nunca perdi ninguém. Todas as pessoas que foram, foram pelo próprio pé, num virar de costas derradeiro e frio, como se eu nunca tivesse importado. Eu não as perdi porque soube sempre onde elas estavam. Elas é que, por algum motivo, me perderam dentro dos recantos tristes do coração.
"O último a sair que feche a porta, por favor." -  É apenas isso que peço, por entre as desilusões gélidas e a saudade cortante dos meus dias. Eu sei que as pessoas vêm e vão. Que chegam e me abandonam. E está tudo bem. Não vou argumentar contra as vontades do destino. Mas, por favor, o último a sair da minha vida que feche a porta, para eu não morrer nas correntes de ar da solidão...

Marina Ferraz
Imagem retirada da Internet (Evanescence)

terça-feira, 9 de abril de 2013

Hoje não



Existe felicidade no mundo. Sorrisos, gritos de histeria, corridas de desejo em estradas de amor. Existem contos de fadas. Princesas de alma, sapatinhos de cristal perdidos e encontrados em bailes sem máscaras nem intrigas. Existem sonhos. Suspiros contentes, risos abafados por uma mensagem ou um olhar trocado por duas almas que se completam. Sim. Eu acredito no amor e na felicidade. Sei que eles existem. Mas hoje não.
Hoje não há felicidade. Hoje não há sorrisos. Hoje não há sonhos. Eles existem... mas hoje não! Hoje o coração chora. Não preciso de explicar porquê. Toda a gente tem dias maus e pesadelos acordados. E hoje, para mim, ainda que mil contos de fadas esvoacem em meu redor, não os verei. A felicidade é algo que só se vê quando se sente.
Hoje não há manhã. Não há céus azuis nem lua cheia. Hoje não há marés que tragam sereias até à margem deserta do meu pensamento. Hoje não há esperança. Não há fadas nem princesas ruivas a rodopiar por florestas de sonho. Hoje o amor não existe e, sem ele, os rios não correm, as nuvens não desaparecem, o sol não brilha. Sem ele, o tempo pára numa dimensão de irrealidades onde tudo o que pode ser visto é feito de trevas e tudo o que pode ser tocado gela.
Existe felicidade no mundo. Risos contentes e chamas acesas. Velas a arder numa súplica eterna pela eternidade de um segundo. Existem reinos de magia e gargalhadas sem fim, ao redor das fogueiras do contentamento. E há danças, teatros, movimentos cruzados e palavras ditas. Gentes sem maldade. Crianças felizes. Adultos com esperança de que a alma não envelheça. Mas hoje não.
Hoje não há riso nem vela que arda. Não há adulto ou criança que guarde em si a mais remota poeira de esperança. E o cansaço adensa, na saudade eterna do que nunca foi, pelo medo de que nunca seja.
Hoje há trevas e saudade. Hoje há dor e desassossego. Hoje há frio e maldições. E vou dormir com a incerteza de um amanhã melhor. Porque há felicidade no mundo mas hoje, sei lá eu porquê, ela não existe dentro de mim. 

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

terça-feira, 2 de abril de 2013

Obrigada



Os relógios batem as badaladas nas conversas de coração. Aquelas em que se fala de amor. Aquelas em que se fala de amizade. Aquelas em que se fala de companheirismo. As horas passam em ternurentas palavras de paixão e felicidade ou na nostálgica memória de dor de quem passou e partiu mas deixou em nós a saudade profunda de um coração partido.
As palavras dedicam-se aos que nos marcaram. Aos que nos tocaram a alma. Aos que nos melhoraram os dias. Mas fica por dizer o que devia ser dito aos outros. Fica por dizer o que nem sempre se pensa.
Hoje, eu quero dedicar as badaladas da minha voz às pessoas que me feriram. Às pessoas que se impuseram, qual barreira, no caminho. Às pessoas que falaram de mim nas minhas costas para falar apenas do pior, real ou irreal.
Quero dedicar estas palavras às pessoas que passaram deixando no caminho, não a saudade, mas o alívio. Às pessoas de quem me despedi com o pensamento calado do "espero não te ver mais". E quero dedicar este pensamento às pessoas más, às pessoas mesquinhas, àquelas que procuraram trazer-me a dor como se isso as tornasse melhores ou mais felizes. A essas pessoas quero agradecer. Agradecer por me terem provado que o mundo não é justo nem bom. Agradecer por me terem feito lutar mais, por me terem ajudado a aprender como trabalhar para conquistar tudo o que não me foi dado. Agradecer por me provarem que algumas pessoas não valem a pena. Que algumas pessoas se cruzam connosco apenas para sabermos exactamente tudo o que não queremos ser.
Hoje, dedico as batidas do meu coração às pessoas que tentaram ferir-mo, de forma cruel e propositada. E agradeço-lhes por me terem ensinado o valor que têm aqueles que estão presentes e me amam. Aqueles que foram embora e me deixaram saudade. Agradeço-lhes por serem o exemplo base de tudo o que eu procurarei não ser ao longo da vida.
Ninguém está certo a tempo inteiro. Toda a gente erra. Mas agradeço a essas pessoas por me ensinarem a ver o erro. Por me ensinarem que, para algumas pessoas, o erro e maldade são rotina.
Há pessoas que não valem o tempo. Há pessoas que não valem o esforço. Há pessoas que não merecem sequer as palavras. Mas, como eu aprendi com elas, a dor do desprezo, hoje eu perco com elas o meu tempo e oferto-lhes estas palavras de agradecimento. Obrigada por serem o exemplo base de tudo aquilo que eu não quero ser e por me terem ensinado que, no mundo, devemos dar valor a quem tem valor e seguir ao lado dos trilhos onde não há nada além de uma inveja calada que se disfarça de amizade e se transforma em mesquinhez na primeira oportunidade.

Marina Ferraz
* Imagem retirada da Internet