Abri os olhos. Dormias. E eu abri os olhos... Havia um arco-íris na janela. Pintado de pôr-do-sol. Rasgando as frestas.
O cansaço que adensou era fruto de noites acordadas. E da vida. Pesava um bocadinho sobre os ombros e descansámos a cabeça na almofada. Calor nascendo da pele. E suavidade. O som de uma música feita de silêncios que dizem poesia no fim da tarde. Só um bocadinho. Ao som das trovas mudas. Só um bocadinho.
Os olhos fecharam. Levemente. Habituados à insónia. E lembro-me de pensar que não queria dormir porque tinha medo. Logo eu. Eterna aventureira de todas as coisas descuidadas. Tinha medo. De acordar. E ser tudo um sonho bom... apenas.
O sono venceu a batalha contra o
medo. Tudo – sempre – me vence a batalha contra o medo. Eu não sei viver senão
lutando. Todos os dias. Contra tudo o que me assusta, me amornece e me
limita... e, do sono ao sonho, foi um salto muito breve. E ela veio. E ela
disse: olha o arco-íris.
Os olhos, meio enrugados, sorrindo
no vislumbre lento da noite a cair. E eu agarrei-a levemente. Com saudade. Olhei. Sabia que era um sonho e
ela também. Mas aceitou-me o toque leve e a inalação do cheiro das violetas do
seu perfume-pele. Olha o arco-íris.
Repetiu. E eu contei-lhe: dizem, sabes?
Que quem encontrar o fim do arco, encontrará um pote de ouro. E ela
repetiu. Olha o arco-íris.
Acordei desse sono. Breve. Tão breve. Abri os olhos. Dormias. E eu abri os olhos... Havia um arco-íris na janela. Pintado de pôr-do-sol. Rasgando as frestas. Tonalidades que vinham do vermelho, do laranja, do azul, para o verde-mar... passando por todos os toques de luz que permeiam as cores. Sorri. Havia o recorte do teu corpo e uma explosão de pigmentos a invadir o quarto. Senti-me novamente menina. Sorvendo a novidade da vida, com suavidade... cor a cor...
E os tons mais quentes aqueceram-me por dentro. E o calor de mim amoleceu-me a alma. E os olhos fecharam. Muito devagarinho. Levando ainda, consigo, o pôr-do-sol que rasgava a janela. Adormeci novamente. E lembro-me de pensar. Eu vi, avó, eu vi o arco-íris. Mas foi um pensamento breve, na vigília alquebrada, na fímbria entre a consciência e o delíquio. E deixei-me ir. Adormeci. Um sono pesado na leveza dos pensamentos, despido dos medos ancestrais e de perguntas sem sentido. Um sono despido de sonhos.
O tempo do sol não é o dos ponteiros. O tempo da vida não é o do sol. Senti-me voltar a mim, primeiro. E a alma a voltar ao corpo depois. De onde vens? Perguntei-lhe. Mas ela, que vinha daquele pôr-do-sol-arco-íris, não sabe como falar antes do café. Então, ficámos de olhos fechados, bebendo do som da respiração e do silêncio da música do fim da tarde.
Quando, por fim, abri os olhos, ainda dormias. Mas abri os olhos... O arco-íris na janela, pintado de pôr-do-sol, tinha dado lugar à tonalidade-noite. Uma noite jovem, ainda com resquícios de dia. Mas noite. E foi ela que me envolveu, acalmando-me os medos. O laranja apagado na frestinha inferior, deixa o espaço acinzentado no destaque de todas as outras, com as luzes breves da rua.
Acordas e olhas para mim. Um gesto breve e simples e de afago, que me envolve. O teu calor na pele fresca.
O sono tinha passado. Provavelmente posto no mesmo mar que levou o sol. E, nesse abraço, olhei pelas frestas. Um último rasgo de arco-íris na janela. Uma última linha alaranjada. E pensei. É aqui. Avó. É aqui. Encontrei o pote de ouro...