Ela entrou na sala. Trazia uma saia azul escura e uma
camisola branca, já meio gasta do uso. À primeira vista não era diferente de
ninguém. O cabelo louro esvoaçava-lhe nos passos e o corpo de bailarina dançava
levemente, por si só, com a naturalidade óbvia de quem não o faz por querer. À
primeira vista era apenas mais uma, como tantas. À primeira vista não passava
de uma menina bonita, demasiado nova para saber o que é o sofrimento, demasiado
velha para ser chamada de criança. Mas, então, ela sorriu. Um sorriso aberto,
num semicerrar de olhos. E o meu mundo iluminou-se.
Não é uma história
muito longa. É simplesmente um momento, captado na memória, qual fotografia. É
a história do sorriso que marcou uma vida. A minha vida. A história de como uma
menina se tornou eternamente parte do meu coração e me move, sem esforço, na
direção do para sempre.
Ela entrou na sala. Foi tão simples como um passo que a pôs
ao alcance dos meus olhos. Tão natural como uma brisa de Primavera a agitar as
folhas das árvores. Mas bastou. Bastou isso para me fazer sorrir. Bastou isso
para apagar as mágoas e me dar um pouco de paz.
É a mais pura das verdades: à primeira vista ela é apenas
mais uma menina. À primeira vista é a criança loura, de olhos azul esverdeados
e passos dançantes. Mas eu parei para olhar melhor e descobri a verdade. Ela é
o sorriso atrás das lágrimas. A fé no fim da esperança. A luz por entre as
trevas. A mão que nos segura na beira do abismo. Ela é a segurança entre os
medos. A força nos momentos de desespero. O abraço quando chega a solidão.
Ela entrou na sala. Caminhou em passos dançados. Sorriu-me.
Arrebatou-me. E mesmo que, à primeira vista, ela seja apenas uma menina, para
mim ela é perfeita. Então, encho-me de luz e de carinho e abraço-a, como se os
meus braços pudessem criar uma muralha e protegê-la a vida inteira. Como se num
abraço a pudesse salvar de tudo. Mas fica sempre aquela pontinha de certeza que
se alastra no peito, qual veneno bom: poderei não ser capaz de a proteger de
todos os males do mundo mas ela protege-me a mim e, entrando na sala a sorrir,
sem sequer o saber, ela salva-me a vida todos os dias.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet