Ela caminhou pela rua com os pés descalços. A roupa, velha e
rasgada, não bastava. O rosto, encardido e sujo, as mãos negras. Mas ela
sorria. Com um brilho nos olhos. Com uma fascinação crescente na expressão
alegre. Era a noite mais fria do ano. Mas também era Natal.
Caminhou pela cidade. As iluminações cativavam-na. Sentiu o estômago remoer, na memória longínqua da última
refeição que fizera. Já não se lembrava quando. Fora naquele dia em que um
senhor de sobretudo preto a tinha levado ao café. Afinal, era Natal.
Caminhou. Luzes amarelas e azuis. Vermelhas e verdes.
Estrelas. Presépios. Presentes. Imagens sem fim, iluminadas, como estrelas, ao
longo da rua. Sorriu, fascinada. Tinha fome e estava frio. Mas era Natal.
Passou por mil portas fechadas, bebendo do cheiro adocicado
a amor e bolos. E imaginou, por segundos, que estava do outro lado, a comer e a
sorrir. O pensamento bastou para que sorrisse. O que havia de fazer? Era Natal!
Passou as mãos pelos braços, esfregando-os para se aquecer,
enquanto caminhava, vendo a névoa da sua respiração aparecer e desaparecer. As
ruas estavam desertas. Quem havia de as povoar? Era a noite de Natal!
Cansada, nos seus passos de menina, nos seus passos de
criança, procurou refúgio num beco entre duas casas. A saída de ar de uma velha
pastelaria fazia-a sentir menos frio. O cheiro, ainda presente, do pão, fazia-a
sentir-se mais saciada. "Um presente de Natal", pensou para si.
E, de alguma maneira, entre presentes e afagos, entre
comidas abundantes e risos de lágrimas nos olhos, milhões de crianças não
souberam que era Natal. Mas ela soube e sorriu.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet