segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Caixa de música



A música parou de tocar e a bailarina tonta, de sorriso desenhado e aberto, deixou-se de piruetas. Não era tempo de dançar. Não era tempo de sorrir. Não era tempo de ter os braços erguidos aos céus na suavidade de um toque infernal.
A música parou e a caixinha de jóias perdeu a graça. Prata e ouro. Bijuteria. Não havia nada de valor. A música tinha parado e a bailarina já não dançava. O valor tinha-se ido com a arte. O valor tinha partido na primeira nuance de desaparecimento do sorriso.
E a criança gira a maneta é dá corda à pequena caixa. Gostava de saber o que pensa a bailarina. Boneca de corda. Boneca sem vontade. Eternamente bonita e suave, dentro do seu tule rosado, a dar voltas lentas e perfeitas. Não tem direito à palavra. Não tem direito à opinião. Tem apenas o direito de girar, escravizada pelas vontades alheias.
Quantos de nós somos exactamente assim? E porquê? Para quê este sorriso de fel, desenhado e perfeito por entre a dor? Para quê a dança dos cumprimentos e das roupas chiques? Para quê esses protocolos de intolerância?
Sim. De uma maneira tonta e ridícula, somos todos bailarinos de corda nas mãos de uma sociedade construída sobre regras ilógicas. E giramos todos, de sorriso nos lábios pintados, ao som da música infernal que orienta a vontade das minorias.
A música parou de tocar e a bailarina tonta continuou a sorrir, na quietude de quem sabe que dançará sempre, enquanto houver música, enquanto houver uma mão a moldar-lhe o destino.
Mas, um dia, a caixa fecha para sempre, a criança cresce, a música pára e a morte chega. Por quanto tempo teremos de dançar ao som de ideias alheias? Por quanto tempo esperaremos a morte  com um sorriso nos lábios? Somos todos bonecos de corda. E precisamos de errar nas piruetas, de saltar das caixas de música e de aprender a viver por nós mesmos. Antes que nos fechem as caixas, nos privem da música e nos deixem num canto a morrer sem sequer termos vivido.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

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