Eu sou uma puta. E, desculpem. Pensei
o conceito. Conclui que sou puta com muito orgulho!
Dizemos. De pequeninas. Às nossas
crianças. Às meninas, principalmente. O mundo está a mudar. Podes ser o que
quiseres. Sê forte. Independente. Ama-te. Podes ser o que quiseres. As mulheres
podem ter gostos, desejos, vontades. Já têm voz. Lutaram pela voz. Encontraram
a voz. Mereceram a voz. Conquistaram-na. Sê. Sê essa mulher pela qual as
mulheres do passado lutaram tanto…
Dizemos. De pequeninas. Porque queremos acreditar. Mas esquecemo-nos de
as avisar. Nem todas as mulheres são assim. Só algumas. As que a sociedade não
chama de mulher. Mas de puta.
O exercício de olhar para as
mulheres fortes que nos rodeiam é imprescindível. Para aquelas que aprenderam a
falar, sem medo das palavras. Para aquelas que, degrau a degrau, conquistaram
aqueles parcos 13% de cargos de chefia que fizeram manchete de jornal. Para
aquelas que vivem a sua sexualidade ao limite do que julgam certo, sem prestar
conta do número de parceiros e sem negar que gostam do prazer pelo prazer. Para
aquelas que falam sobre qualquer tema, em qualquer lugar, com desenvoltura.
Para aquelas que vestem o que querem. Para aquelas que não prestam contas a
ninguém e que se bastam. Um toque de orgulho bate no quadrante feminista,
feminino, do peito. Bate, não bate?! E, depois, paramos. Perguntamos a toda e a
cada uma delas: alguma vez te chamaram de “puta”?
É um teste que já fiz. Mas não se
guiem por mim. Façam. Perguntem. Perguntem à vossa mãe, à vossa irmã, à vossa
avó (que até vai à igreja todos os dias e se benze quando vê uma mini-saia).
Perguntem à vossa colega, à vossa chefe, à vossa amiga, à vossa professora.
Perguntem a alguém que admiram. Todas somos, fomos ou iremos ser putas na boca
de alguém.
Ser puta, hoje em dia, já não é
uma profissão. É, ao que parece, uma forma de respirar realizada por mulheres.
Mais pelas mulheres que não cumprem os padrões de conformidade com a norma
arcaica patriarcal e misógina. Mas, em última análise, por todas as mulheres.
Algumas são como eu. Naturalmente
putas. Putas como as putas são quando isso significa ser-se mulher e não ter
medo disso. Putas como quando o orifício que nos determina o sexo não é uma
falta, mas antes um bónus no género. Putas como quando o corpo não nos enoja
nem nos envergonha e não é a inércia, a apatia, a passividade e o emudecimento
a talhar a pauta da nossa sexualidade e das nossas conversas sobre a
sexualidade.
Tenho a certeza de que as
profissionais do sexo poderão ofender-se. Por lhes roubarem um título inerente
– que os anos vulgarizaram a ponto de perder a tonalidade ofensiva, quando se
trata de trabalho efetivo – mas chamaram-me puta. Rotularam-me. E eu tenho de
concordar que, nas noções do moralismo e do machismo, devo ser. Puta. Provavelmente
tenho conversas de puta. Visto-me como uma puta. Penso como uma puta. E só não
fodo como uma puta porque nunca ninguém me pagou!
Enquanto as palavras de suposta
ofensa me entram pelos ouvidos, eu penso nas palavras que dizemos às nossas
crianças e de como nos esquecemos de as alertar. Penso como se tornou simples
colocar o rótulo – antes tão pernicioso – agarrado ao toque do feminino
selvagem. Penso e concluo: quem as diz não podia estar mais certo! Eu sou puta.
E, desculpem. Se ser puta é ser eu, sou puta com muito orgulho! Porque percebo
que, hoje, qualquer mulher que reclame para si os mesmos direitos que um homem
naturalmente tem o é, foi ou será.
Desculpem se, quando eu durmo com
alguém, isso me faz galdéria. Um homem seria garanhão.
Desculpem se, quando eu falo de
sexo, isso me faz rameira. Um homem seria espirituoso.
Desculpem se, quando eu sou eu, me
torno a vergonha da família. Se eu fosse um homem, seria o seu orgulho.
Reservo-me o direito de ser a
galdéria, a rameira, a vergonha da família. Reservo-me o direito de ser “a puta”.
Reservo-me o direito ao meu próprio corpo e à minha própria voz. Reservo-me o
direito de ser eu.
E sim, estou puta! Estou puta e
sou puta. Aparentemente. Por isto:
porque me reservo o direito de pôr dentro de mim quem e o que eu quiser, desde
que haja consenso. E, desculpem, a misoginia, o preconceito e as mentes
retrógradas não entram em mim, nem com promessas de céu, nem com noções de
politicamente correto, nem com o pedido para que eu me reduza para encaixar no
mundinho pequeno dos outros. Talvez seja, de facto, puta. Mas não me vendo por
tão pouco.
Não aceito que prendam a minha
feminilidade com cordas nem que me acorrentem às ideias de um conservadorismo fora de
prazo de validade. Serei a puta, então. Mas não me vendo. Não me rendo. Porque
sou eu com orgulho, como as putas devem ser, perante um mundo que,
aparentemente, ainda é (um)a Rua (de) Direita.
Marina Ferraz
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