Quando era pequena, contavam-me muitas vezes, em tom de anedota, uma longa, longa história chamada A Bolinha Amarela.
Esta história falava-nos do Pedrinho, criatura nascida entre a fortuna, que desde cedo teve acesso a… tudo.
A história, que lenta e dolorosamente se conta ano a ano, mesmo para criar um entretém de tempo infinito na piada cuja punchline parece não chegar nunca, leva-nos do primeiro aniversário do Pedrinho até à sua precoce morte, aos vinte e tal, travando em cada aniversário e Natal, para nos dar conta de que esta criatura pedia sempre aos pais, como prenda, uma bolinha amarela.
Da história, ficamos a saber que o moço, na sua rica família, recebe nestes eventos os melhores brinquedos, viagens, um apartamento de luxo, um Ferrari, um iate… enfim: um gigante e luxuoso conjunto de tudo! Até ao momento culminante da história, onde, espetando-se com o seu caríssimo Ferrari, todo entrevado, no hospital e a mal conseguir falar, perguntam a um Pedro moribundo se ele quer alguma coisa. E a resposta é: uma bolinha amarela. Consternados, os pais finalmente perguntam: Mas para que queres tu uma bolinha amarela?. E ele responde: Quero uma bolinha amarela porque… e morre.
Eu sei que é suposto ser uma anedota. Ou, pelo menos, uma história de quase uma hora, onde as expetativas da punchline são hilariantemente frustradas. Mas, numa análise mais crítica, também é uma boa forma de olhar para a realidade quotidiana de uma sociedade meio surda, meio cega, totalmente orientada para o próprio umbigo… e que nem sempre considera o outro enquanto ser pleno, completo, individual, capaz de desenvolver ideias próprias e de ter desejos únicos e concretos.
Apercebo-me disto quando enuncio pedidos simples, sobre o que eu quero; e me tentam dar mais, melhor. Apercebo-me disto quando digo que não quero algo, e mo oferecem à mesma, porque é bom, porque é útil, porque “vais ver que te dá jeito”.
Talvez, por vezes, as pessoas prefiram a sandes mista ao restaurante gourmet; passear junto ao mar em vez de ir às Maldivas; estar quietas e em silêncio, em vez de experimentar uma one-lifetime-adventure; uma bolinha amarela a todos os luxos do mundo.
Acredito que a pessoa mais especial não é a que nos oferece as coisas mais caras, mas a que dedica uns minutos da sua atenção para ouvir verdadeiramente o que queremos, do que precisamos, como pode ajudar… É aquela que consegue despir-se de si para entender o outro, que respeita que as necessidades e as vontades alheias podem não ser iguais à sua.
A individualidade é mesmo assim. Ser e deixar ser é mesmo assim. É tão fácil… e tão, tão raro...
Exprimo, sem pudor, o que quero e não quero. E gosto de coisas pequenas. Simples. Das bolinhas amarelas da vida…
Não me interessa se o Pedrinho morreu muito rico, porque nunca teve o que queria. E não importa como acabava a justificação do Pedrinho porque, sejamos francos, se ninguém o tinha ouvido até ali…
Eu sei que estamos no meio de uma pandemia… mas acho mesmo que estamos a precisar mais de reforçar a nossa humanidade do que a nossa imunidade…
Por isso, uma sugestão:
Vamos ouvir mais…
Ser mais…
Ser melhores…
Porque só eu sei como desejo a todos que encontrem essa bolinha amarela que - vá-se lá saber porquê - é tão pouco… e tão importante!
Bom dia Marina!
ResponderEliminarAinda me lembro da bolinha amarela... provavelmente era o sol...e hoje em dia andamos gelados... a precisar cada vez mais de sol!
Adorei a parte da relação humanidade/imunidade..
Viva a humanidade, sejamos pois mais humanos. Pois, que essa falta nos torna cada vez mais sem imunidade também. As células sentem...
Parabéns bj
Um dia, muito em breve, confessaremos as nossas bolinhas amarelas.
ResponderEliminarTexto... Impec!