Sumários, resumos, sínteses e breviários.
Nunca tive jeito para eles.
Era coisa de menina. Cabeça no
mundo dos sonhos. Universos de fantasia na cabeça. Lápis e caderno. Um Jardim Secreto. Umas férias grandes. Um
trabalho de casa. Se o livro tinha 110 páginas, o meu resumo tinha 20. E a
professora lá escrevia, debaixo da resma de papel, ativa representante da floresta
que eu tinha acabado de destruir: Falta
de espírito de síntese. À qual acrescentaria a jocosa nota. Ao menos já não preciso de ler o livro.
Era uma coisa de menina. Sumários,
resumos, sínteses e breviários. Nunca tive jeito para eles. Mas também era uma
coisa do eu. E que cresceria comigo. E que tomaria o seu lugar nos patamares da
minha realidade.
Não sou de reduzir nada a uma
palavra só. Uma lista de compras – tarefa alegadamente simples – complexifica-se.
Em frente ao nome dos artigos, lá se encontra a nota do local onde estão em
promoção ou a justificação da necessidade da compra, ou outra nota qualquer, só
porque sim. Salmão (está em promoção na
superfície comercial X), detergente da roupa (mas só se estiver com um bom
preço porque ainda tenho para duas lavagens), uvas (ver se há das brancas e se
estão decentes).
O mesmo se passa com questões
simples. Não há conversa sobre notícia de jornal que não gere conversa sobre o jornalismo,
sobre o estado do mundo, sobre os antecedentes históricos que nos trouxeram
aqui ou sobre o potencial de mudança. Análises simples sobre o rio que
transborda com a chuva transformam-se em cáusticas observações sobre as
alterações climáticas, o degelo dos glaciares, a globalização do conhecimento,
as lógicas do capitalismo e a forma como – real e metaforicamente – é quem está
na “baixa” que se afoga.
A minha professora tinha razão.
Tenho falta de espírito de síntese. Ou talvez só de síntese, por excesso de
espírito.
Nunca fui muito boa a resumir numa
palavra o que quero dizer. Seja para o ato mais simples do quotidiano ou para o
mais complexo. Sempre achei que as palavras deviam vir em conjunto, numa
verdadeira celebração discursiva, que as misture e encadeie, em lógicas e
semânticas e demagogias. E nunca tive medo delas, pelo que as usei sempre, em
abundância, para tudo e nada. Mesmo quando, sozinha, divago apenas com as paredes
sobre assuntos diversos, que tanto podem ser sobre Física Quântica como sobre
como a melhor estratégia para encaixar as minhas 30 horas de tarefas nas 24
horas do dia e ainda dormir um pouco.
Sumários, resumos, sínteses e breviários.
Nunca tive jeito para eles.
Falei sempre pelos cotovelos.
Escrevi sempre até me doerem as mãos. Criei um calo de escrever no dedo que
frequentemente me apetece mostrar aos políticos nacionais. Nasci e continuei
sempre a ser uma pessoa que prefere pecar pelo excesso do que pela falta.
E, depois, penso na Morte. Como
não sou sintética, pinto sempre uma história extensa em torno da forma como ela
há-de vir até à minha cama, sentar-se ao meu lado e falar comigo, antes de me
levar. Também essa conversa é desenvolvida e longa, até porque caraterizo a
Morte com muitas palavras, que lhe definem o semblante e a voz e a extensão da
mágoa, antes que se inicie o diálogo. Mas, quando o diálogo vem, uma das
questões – entre as muitas outras que idealizo – pede-me síntese.
Imagino que a Morte - senhora de negro,
perpetuamente escrava da sua condição de eternidade e dona de uma empatia muito
rara – me pergunta assim: Se tivesses de
dizer o que definiu a tua existência, o que te levou pelos anos, o que te deu
sentido, para que nasceste e viveste neste mundo, o que dirias?
Imagino que a Morte tenha pressa.
Imagino que tenha mais onde ir. Mais sopros para cessar. E, claro! Sumários,
resumos, sínteses e breviários. Nunca tive jeito para eles. Mas imagino-me a
ter!
Imagino que, com simplicidade, resumo
tudo atabalhoadamente e sem medo. Confiante e firme. Imagino que, erguendo a
mão para agarrar a dela e ir, deixo o sopro voar com as asas da eternidade,
numa resposta breve.
Para amar.
Marina Ferraz
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