Fotografia de Analua Zoé
A vida – disseram-me, um dia, num
sonho – não é um lugar. É uma sucessão de
encontros e desencontros. Metade do tempo não saberás o caminho. As coordenadas
são estas: se estiveres perdida, estás no caminho certo.
Perdi-me. Em ti. Por ti.
Completamente. Contigo, perdi as certezas e as dúvidas também, à medida que
buscava, no mel de olhos tristes, o espaço que me adoçava o amargo dos dias.
Perdi-me. De mim. Das minhas infindáveis questões. Mergulhando nos teus abraços,
na tua força. Perdi-me. Da minha solidão. Da minha vontade de estar só.
Perdi-me. Do desejo que me atava à morte e à aceitação. Perdi-me.
As muralhas do eu – perdidas –
armadura intemporal do sobrava em mim, eram só pele frágil. E eu nunca fui mais
forte.
Olhando para ti, nessa força
desprotegida, eu quis dizer-te. Quis assegurar-te do que gostaria que me
tivessem dito, caso tivesse, algum dia, havido coordenadas em alguém como as
que há, agora, em mim, no mesmo braço que empunha a caneta. Quis dizer-te: Sou
tua. Estou perdida em ti. Por ti. E estou aqui. Sempre. Para sempre.
A tua força frágil, ao lado da minha
fragilidade forte parecia tornar desnecessária toda e cada palavra que eu
dissesse. E a descrença dos teus olhos, afastando-te os passos e remetendo,
tantas vezes, o nosso amor ao silêncio despido de nós, era uma espécie de faca com
dois gumes afiados, rasgando as mãos que não largam e que fazem, assim, pactos
de sangue.
Se perderes a esperança, sabes onde me
encontrar.
Era isto que eu queria dizer-te. Nas
palavras despidas de fé, semeadas no passado onde eu não moro, sei que a perdes.
A esperança. E eu sei como a esperança é. Tão diminuta e transparente que, uma
vez caída sobre as relvas do amanhã, se faz gota de orvalho e evapora. Como se
nunca tivesse existido. Agarro-a nas minhas mãos, diamante inócuo, capaz de
espelhar os sorrisos leves e a luminescência dos primeiros raios da aurora. Se
a perderes, sabes onde me encontrar.
Se perderes a felicidade, sabes onde me
encontrar.
À medida que me dizes. Não fui feliz
nem vou ser. Justamente depois de te ter visto. Ser. Feliz. É isto que eu
penso. Se perderes a felicidade, sabes
onde me encontrar. E eu não sei se posso. Fazer-te feliz. Ou lutar contra o
que não te deixa sê-lo. Sei só que tenho dois braços. Ouvidos. Coração. E que
posso disponibilizar qualquer um deles para o que for preciso. Até os teus
lábios deixarem de ser uma linha perpendicular com o chão que queres que te
engula e encurvarem num sorriso sincero. Feliz. Dessa felicidade que não quero
que percas. Mas, se a perderes, sabes onde me encontrar.
Se perderes a força, sabes onde me
encontrar.
Fazes contas regressivas. Todo o
futuro te é passado. E o passado foi o lugar onde aprendeste a ser forte, à
medida que perdias a esperança e a felicidade. À medida que pagavas, com elas,
o preço da força. Foi um preço elevado a pagar pela vida. Descomedido, se o
considerares aplicado por quem se julga dono de mundos e razões que não tem.
Olho para ti e é como se não pudesses ser outra coisa. Pareces-me forte como as
muralhas que sobrevivem à passagem das Eras. Ainda assim, noto em ti, por
detrás dela, o espaço raiz de uma mágoa. E quero dizer-te que podes. Deixar ir.
Chorar. Ser a criança que não foste. Procurar o carinho que não tiveste. Ser
alternativamente indefeso por dois segundos. E quero dizer-te que podes fazê-lo
porque eu sei empunhar as armas. Vivo de loucura. Uma loucura que afasta raios
e os fazem cair mais adiante, onde não ferem nem queimam. E, que me matem mil
exércitos, mas não terás uma chaga sequer enquanto eu estiver aqui. Por isso,
por favor, diz-me que se perderes a força, sabes onde me encontrar.
Se te perderes de ti, sabes onde me
encontrar.
Mas os exércitos e os males do mundo
são simples, não são? Podes bem com eles. Parecem-te brandos e suaves. Estás
habituado a eles e levas a vida, provavelmente, já sem fé ou felicidade. Não
são eles que te pesam. Pesa-te o corpo. Por mais leve que ele seja. São os
passos que dás em ti que te pesam. Carregas decisões e fardos e histórias. E
todos eles são cimento. Todos eles são betão. Os passos sobre a calçada são
densos, parecem enterrar-te na sepultura vindoura todos os dias. E a alma
separa-se, aos poucos, fugindo desse peso que não tolera… ou será o corpo que a
expulsa por já não caberem nele 21 gramas a mais?! Seja como for. Penso que te
perdes de ti. Às vezes. E quero que saibas que, além do corpo quente que me inebria
de prazeres e sonhos; eu conheço o toque da tua alma. É ela que me dá vida. Foi
por ela que, de forma quase inconsciente (e muito, muito insensata) me deixei
arrebatar. Gostava de tentar devolver-te a ti. Então, se te perderes de ti,
sabes onde me encontrar.
Não sei. Não sei se queres. Se deixas.
Se consegues. Mas, um dia, disseram-me, num sonho, que a vida não é um lugar.
Que é uma sucessão de encontros e desencontros. Que durante metade do tempo não
iria saber o caminho. E deram-me as coordenadas. Disseram-me: As coordenadas
são estas. Se estiveres perdida, estás no caminho certo.
Perdi-me. Completamente. Por ti. Em
ti. Para sempre. Descobri. As coordenadas, afinal, não estão no braço. Estão na
mão que escreve. Perdida de desejo, de vontade, de paixão e de amor por ti.
Se quiseres perder-te em mim também, sabes
onde me encontrar.