domingo, 22 de janeiro de 2012

Quando...



Adivinha. O comboio partiu mais cedo. Logo este, que chegava sempre atrasado à estação e deixava toda a gente ao frio, reclamando dos tons acinzentados da vida e do estado do país.
O comboio partiu mais cedo. Tão cedo que os bilhetes ficaram por comprar e as linhas se esvaziaram, deixando os bancos vazios e o chão sujo sem pegadas. Tão cedo que ninguém embarcou a tempo nessa viagem pelos reinos da fantasia.
Adivinha. Sempre era possível chegar tarde. Sempre era possível perder a esperança de seguir os rumos do destino. Sempre era possível viver assim uma eternidade, sem sair do mesmo lugar, sem ter para onde ir.
Cheguei tarde demais a esta estação fantasma, onde os comboios seguem sem ninguém e os bancos ficam vazios. As pegadas são preguiçosas demais para se imprimirem no chão cinzento. As nuvens são preguiçosas demais para deixarem que a tempestade se abata sobre o nada que preencheu o espaço onde antes havia destinos e pessoas e oportunidades.
Sento-me num dos bancos vazios. Um qualquer. Não me importa qual, nem em qual linha. Sento-me somente, com a maleta pousada ao lado e os olhos fixos no horizonte obliquo das linhas que avançam e se aproximam e convergem num ponto só, lá ao longe. Sento-me e espero. Mas, adivinha! O comboio já partiu. Partiu cedo demais e eu não estava nele.
Calada, despida de emoções, pálida e distraída, continuo a olhar para a distância, sem saber que o comboio não vem porque já foi. E talvez não me levante mais daquele banco velho e sujo. Quem sabe... quem sabe se o comboio não retorna, quem sabe se os destinos não se somam à minha esperança.
Adivinha. O comboio partiu mais cedo. As pessoas foram embora e eu também devia ir. Mas sabes, sabe toda a gente, que a minha alma é paciente e velha, anciã sem idade com esperanças de criança. Então, embora o comboio tenha partido e as pessoas tenham ido embora, eu vou esperar. Está bem? Vou esperar por esse comboio que vai parar na linha - uma linha qualquer - e me vai levar a um qualquer destino. Não me importa qual, desde que tenha risos e corações acelerados e fogos de artifício em céus nocturnos.
Adivinha. O comboio partiu mais cedo. E ainda não chegou mais nenhum para apanhar todos os que o perderam. Mas eu estou à espera. Quando ele aparecer, vou ser a primeira a entrar e vou sentar-me num lugar de frente, junto à janela. Quando ele aparecer, seja isso quando for, vou seguir rumo a tudo o que sonhei e ser mais feliz do que alguém poderá saber. Quando ele chegar, eu vou... queres vir comigo? É que depois não volto mais!

Marina Ferraz

*imagem retirada da Internet

domingo, 15 de janeiro de 2012

Arco-íris, luas cheias e contos de fadas



Arco-íris, luas cheias e contos de fadas. Toda a gente precisa de uma razão. E estas são as minhas: arco-íris, luas cheias e contos de fadas!
Há uma dimensão da vida que é somente feita de dor. Uma dor a que alguns chamam sofrimento e outros realismo. Mas uma dor, ainda assim. Uma dor que cansa, uma dor que fere, uma dor que começa nas pontas dos dedos e acaba na ponta da alma.
Pousar a cabeça sobre a almofada, a cada noite, é por si só deixar uma oração no ar. Uma oração que implora pela inconsciência do sono, pela fantasia despida e crua dos sonhos, pelo desapego...
É verdade: a vida fere. A vida é uma criança insensata a brincar com os corações mortais. A fazer amar quem não é amado. A fazer perder quem tem ambição. A fazer chorar quem mais fez por merecer um sorriso. A vida fere. Fere de todas as maneiras, todos os dias. Rouba mais do que oferece. Oferece para depois roubar. Ri-se de nós, como se nos julgasse loucos de ainda aceitarmos essa falsa caridade!
E pousar a cabeça sobre a almofada é em si uma oração. Uma oração que pede um amanhã mais simples, uma dor mais ténue, uma força maior. É uma oração feita em silêncio, pelas pálpebras que se fecham e pela humanidade que se esvai à medida que o sono avança. É uma oração que não se diz e não se pensa. Mas que está lá, intacta e inteira, eternamente.
A vida fere. Fere no primeiro abrir dos olhos, na manhã. Quando a aurora se apresenta e o sol se ergue, condenando o corpo a mais um dia. Fere no primeiro contacto dos pés com o chão. No primeiro respirar consciente de cada madrugada.
E toda a gente precisa de uma razão para se levantar da cama e enfrentar o mundo. Toda a gente precisa de uma razão que dê sentido ao dia que ainda não começou e já tortura. Arco-íris, luas cheias e contos de fadas. São estas as minhas razões.
O arco-íris que mostra que nem tudo o que é belo pode ser tocado, as luas cheias que ensinam que não é preciso ter luz própria para iluminar o mundo e os contos de fadas que mantém acesa a esperança de se vir a ser feliz um dia, ainda que por entre as dores da realidade.
Arco-íris, luas cheias e contos de fadas. É por isso que me levanto todos os dias. Para olhar para a maravilha de coisas que a vida me diz que não posso tocar, para beber da luz de tudo o que é simples e belo e iluminar os caminhos daqueles de quem gosto, para ser a menina que, por entre tanta dor, ainda acredita em contos de fadas.
Posso estar enganada. Talvez arco-íris, luas cheias e contos de fadas não sejam a melhor razão. Mas são a minha. E mantêm-me de pé, quando tudo o resto é ruína. Por isso sim: a vida fere mas eu forço-me a acordar e a caminhar de cabeça erguida. Porque eu sei que existem arco-íris, luas cheias e contos de fadas, quanto mais não seja nas orações mudas que os meus olhos fazem ao fechar, cada vez que a vida fere...

Marina Ferraz

*Imagem retirada da Internet

domingo, 8 de janeiro de 2012

Amor a meias doses


O amor. Essa forma de expressão onde a banalidade adensou as formas verbais e lhes roubou o sentido. O amor. Deixem-me rir. O amor.

Vou sentar-me na mesa do café. Pedir meio cinzeiro, fumar meio cigarro, olhar para meia ementa e pedir meia dose de qualquer coisa. Vou comer somente metade. Só porque sim. Porque é moda. Porque as coisas inteiras implicam que me dedique a elas, que gaste tempo com elas, que me preocupe com elas.

É isso que sinto hoje em dia. Que as pessoas se sentam nas mesas de café dos seus corações e pedem meia dose de amor. Que as pessoas não amam o suficiente. Que são cada vez mais os que se contentam com o jeitinho sentimental. Que as pessoas estão sempre à espera do "para sempre" seguinte, que não será eternidade alguma, só para não enfrentarem sozinhas as realidades duras de uma solidão insensata.
O amor não é uma conta dividida por dois. O amor é um compromisso de alma. Então, porque é que se dividem as contas e não se comprometem as almas, quando se fala de amor?

Talvez à luz de holofotes de realismo eu soe uma criança a quem roubaram o "e viveram felizes para sempre". Talvez ao som das batidas da injustiça da vida eu soe a uma crente obstinada de contos de fadas. Mas eu gosto do que pareço e gosto das coisas em que acredito. Porque, sejamos honestos: a vida já não tem demasiadas contrariedades por si só? Então porque temos de matar também o que lhe resta de importante e fundamentalmente bom?

O amor. Essa forma de expressão que devia ser definida como a imensidão do Universo ou não ser definida de todo. O amor. Esse amor louco e completo, de acelerar o coração e de espicaçar a alma. O amor que nos rasga os sorrisos nos rostos, mesmo nos maus momentos. O amor que fica à distância de um gesto ou de uma palavra ou tão simplesmente de um olhar. O amor eterno e descontente, que quer sempre o horizonte e os reinos de fantasia e as possibilidades dos mundos.

Não! Eu não quero meia dose de amor. Quero a loucura e a incoerência. Quero o riso e as lágrimas. E aceito, sem medo, a mágoa, a solidão e a saudade que tantas vezes saltam para a vida de quem escolhe amar plenamente. Não acredito noutra forma de amor. Só nessa que é inteira e completa. Só nessa que não aceita ser metade de si. Não quero meia dose de amor. Quero a dose inteira. Não tenho medo da dor. Tenho medo de viver e não amar o suficiente.

Por isso, os outros, se é o que querem, que se sentem nas esplanadas sujas dos corações que dizem que têm e peçam meia dose de vida. Eu quero a vida completa. Eu quero mais do que a estadia e mais do que a passagem. Quero a felicidade. Quero a infelicidade. Quero tudo!

No fundo, se olharmos bem, não foi a expressão amor que se tornou banal. Foram os corações das pessoas que se tornaram fúteis. Não foi a sociedade a corromper um sentimento. Foi o medo a ganhar uma batalha contra as possibilidades. E também não foi a realidade a roubar a crença no amor... foram as pessoas a decidir que crescer era o mesmo que escolher não acreditar em nada.

Eu não quero o amor a meias doses. Quero a dose inteira. Quero a vivência completa. Quero receber a dor com o sorriso de quem sabe que viveu ao máximo.

O amor? Ah, o amor... eis algo que quero ter em mim até ao dia em que fechar os olhos de vez!

Marina Ferraz

*imagem retirada da Internet

domingo, 1 de janeiro de 2012

Vamos


Vamos aos confins da Terra. Lá onde as nascentes caem em cascata e onde as pedras têm nome de pessoa. Vamos agora. Agora porque não há tempo a perder. A felicidade não espera por ninguém.
Então, anda. Segue-me os passos ou as pegadas. Segue-me os movimentos ou os aromas. Segue-me, seja como for. Vamos aos confins do infinito. Lá onde tudo é possível e ninguém pode interferir na paz. Lá onde as mãos se dão e os dedos se enlaçam. Lá onde tudo acontece com simplicidade.
Aviso já que vou abrir as asas, quando lá chegar. Fada de Outono, de pés descalços e passos dançantes. Vou abrir as asas mas não vou voar. Preciso deste chão sob o meus pés, de sentir a terra húmida e a água gelada a tocar-me a pele despida. É ali que os sonhos se tornam realidade e que a vida adormece um pouco, levando consigo tudo o que não está certo. E é por isso que vou aproveitar para abrir as asas. É o único lugar onde sei que não me vão apedrejar. É o único lugar onde sei que não vão troçar de mim por escolher um chão de espinhos, quando posso ter o céu. É o único sitio onde nunca ninguém esteve tempo o bastante para tentar roubar-me a magia.
Mas vem. Podes vir. Se olhares com olhos de esperança, talvez consigas até ver o que eu vejo. Vem. Vamos aos confins da Terra. Onde as pedras estão feridas e choram. Onde as árvores cantam. Onde as borboletas dançam valsas irrepreensíveis. Onde eu posso baixar a guarda e respirar com calma. Onde eu posso ser ferida no mais profundo de mim. Onde a minha alma se torna corpo e eu me torno vulnerável.
Vamos aos confins da Terra. Preciso de respirar essa paz, de abraçar essa plenitude. Preciso de abrir as asas. A felicidade não espera por ninguém...

Marina Ferraz

*imagem retirada da Internet