Adivinha. O comboio partiu mais cedo. Logo este, que chegava sempre atrasado à estação e deixava toda a gente ao frio, reclamando dos tons acinzentados da vida e do estado do país.
O comboio partiu mais cedo. Tão cedo que os bilhetes ficaram por comprar e as linhas se esvaziaram, deixando os bancos vazios e o chão sujo sem pegadas. Tão cedo que ninguém embarcou a tempo nessa viagem pelos reinos da fantasia.
Adivinha. Sempre era possível chegar tarde. Sempre era possível perder a esperança de seguir os rumos do destino. Sempre era possível viver assim uma eternidade, sem sair do mesmo lugar, sem ter para onde ir.
Cheguei tarde demais a esta estação fantasma, onde os comboios seguem sem ninguém e os bancos ficam vazios. As pegadas são preguiçosas demais para se imprimirem no chão cinzento. As nuvens são preguiçosas demais para deixarem que a tempestade se abata sobre o nada que preencheu o espaço onde antes havia destinos e pessoas e oportunidades.
Sento-me num dos bancos vazios. Um qualquer. Não me importa qual, nem em qual linha. Sento-me somente, com a maleta pousada ao lado e os olhos fixos no horizonte obliquo das linhas que avançam e se aproximam e convergem num ponto só, lá ao longe. Sento-me e espero. Mas, adivinha! O comboio já partiu. Partiu cedo demais e eu não estava nele.
Calada, despida de emoções, pálida e distraída, continuo a olhar para a distância, sem saber que o comboio não vem porque já foi. E talvez não me levante mais daquele banco velho e sujo. Quem sabe... quem sabe se o comboio não retorna, quem sabe se os destinos não se somam à minha esperança.
Adivinha. O comboio partiu mais cedo. As pessoas foram embora e eu também devia ir. Mas sabes, sabe toda a gente, que a minha alma é paciente e velha, anciã sem idade com esperanças de criança. Então, embora o comboio tenha partido e as pessoas tenham ido embora, eu vou esperar. Está bem? Vou esperar por esse comboio que vai parar na linha - uma linha qualquer - e me vai levar a um qualquer destino. Não me importa qual, desde que tenha risos e corações acelerados e fogos de artifício em céus nocturnos.
Adivinha. O comboio partiu mais cedo. E ainda não chegou mais nenhum para apanhar todos os que o perderam. Mas eu estou à espera. Quando ele aparecer, vou ser a primeira a entrar e vou sentar-me num lugar de frente, junto à janela. Quando ele aparecer, seja isso quando for, vou seguir rumo a tudo o que sonhei e ser mais feliz do que alguém poderá saber. Quando ele chegar, eu vou... queres vir comigo? É que depois não volto mais!
Marina Ferraz
Marina Ferraz
*imagem retirada da Internet