Não é seguro. E ainda bem que não é. Porque, se fosse, o caminho ia ser
vazio. O tempo ia ser inútil. A vida não seria mais do que um caminho
desinteressante para a morte.
2021. Dezembro.
Mas poderia ser 2020.
Por este caminho, poderia ser 2050.
Segurança é a apologia do momento e, como tal, “seguro” virou a nova palavra de ordem. É uma moda como outra qualquer. E certamente um negócio muito eficaz e que está a encher vários bolsos por aí, enquanto esvazia outros. Os 1% do costume vendem a ideia de segurança e 98% compram-na sem hesitar. O mundo não é seguro, mas está cheio de idiotas. Acontece.
Agora, as suas compras são seguras. A cultura é segura. Ir votar é seguro. O rodizio de piza de uma cadeia conceituada é seguro. Ir ao hospital é seguro. Ir ao cabeleireiro é seguro. Fazer...
{Pausa para higienizar o texto, borrifando um bocadinho de revirar de olhos antisséptico sobre o ecrã e desinfetando o teclado com um suspiro.}
As promessas de que tudo o que serve interesses comerciais e estatais é seguro são vazias... e as tentativas de comprovar que tudo o que não se rotula desta forma é indesejável é, provavelmente, a menos segura de todas as coisas pouco seguras.
Eu aprendi isto algures entre os 2 e os 4 anos de idade, quando queria voar e não me deixavam, caí do baloiço, apanhei um choque na ficha elétrica, o meu irmão me partiu a cabeça na praia, o mar me ia matando e à minha irmã ou fui mordida por um simpático caniche... Aprendi com facilidade, sem precisar que mo dissessem. E achei que era evidente. Viver não é seguro.
Em Junho, a Dona Maria, de 75 anos, estava no quintal de sua casa quando um carro se despistou e invadiu o seu jardim. Morreu na segurança da sua casa.
Um jovem de 26 anos estava pacatamente na sua vida quando o prédio desabou. Morreu na segurança da sua casa.
Nove pessoas estavam num autocarro seguro, que certamente cumpriria todas as normas de circulação estipuladas pelas leis locais. Um prédio desabou sobre ele. Morreram na segurança do trajeto quotidiano.
Setembro 2021: um raio caiu junto a um abrigo de animais, deixando duas pessoas feridas. Uma terceira perdeu a vida.
O mundo não é seguro. Viver não é seguro. Não sabemos se o próximo passo que vamos dar não é, em efetivo, o último. E se for? Será que interessa? A mim, parece-me pertinente dar esse passo. Porque é isso que nos move, que nos leva a outras paragens, que nos alarga os horizontes, que nos constrói como pessoas e que nos permite viver.
Toda a gente morre... não tenho a certeza se toda a gente vive. Mas sei isto: toda a gente morre. E custa-me ver mortos a deambular nas ruas, com tanto medo da morte que mais parecem ter medo da vida. A aceitarem tudo o que lhes estendem como pilulas de salvação, engolindo medicação e patranhas com a mesma facilidade, porque empurrado com água tudo desce.
A mim mata-me. Esta busca pela segurança. Porque eu quero viver a vida. Até ao tutano dos ossos da alma da vida. E alertam-me. Não é seguro.
Pois não. Não é seguro. É um risco. E gostava de ser livre de poder tomá-lo, antes que o prédio desabe, o carro me atropele no quintal ou o raio me caia em cima da cabeça.
Quero a rua e a adrenalina, a farra e o trabalho, os eventos e os treinos e os saltos de paraquedas. E as montanhas-russas e as caminhadas entre as árvores, fora do trilho. Quero amar. Quero subir aos palcos e gritar até ficar afónica e dançar à chuva.
Porque não é seguro. E ainda bem que não é. Se fosse, o caminho ia ser vazio. O tempo ia ser inútil. A vida não seria mais do que um caminho desinteressante para a morte. A vida não seria mais do que outro tipo de morte.
Nota: Ler este texto não é seguro! Corre-se o risco de se perceber que só nos deram uma vida.