Ela disse-me que era o Monstro dos Abraços. E eu acreditei. Pelo menos na primeira parte. A do Monstro. É-o, de facto. Mas não nos termos do mundo. Nos meus.
Ainda é pequenina. Em idade e em tamanho. Mas tem uma sabedoria que suplanta facilmente os anos cujas velas sopra. E uma alma maior do que o corpo. Tão maior...
Gosta de jantar fora. De sushi. De piza. De brincar com outras crianças. Ou com adultos. E de artes plásticas. E de dançar. E de sentir-se contemplada nos momentos de sucesso. E de contar histórias sobre os dias que passa, aqui e além, tão cheios de instantes que merecem partilha.
Não gosta da escola. A escola corta-lhe as pernas. Tenta moldá-la. Tenta limitá-la. Tenta excluí-la. Ela não gosta que a moldem ou a limitem. Muito menos que a excluam. Quer ser livre, dona do mundo e senhora da sua própria aprendizagem. Protela tarefas... mas não por preguiça. É naturalmente curiosa. Inteligente. Esperta. Quer saber de quase tudo. Interpreta a vida com uma sabedoria muito maior do que a dos anos vividos. Questiona cada momento, como se cada momento fosse lição. E ouve. Atentamente. Quase sempre.
É Monstro. É Monstro porque é diferente do mundo. Porque é artista. Porque não foi fabricada nos moldes convencionais. Porque não foi tecida para ser o que os outros querem que ela seja.
Cativa. Cativa outros Monstros. Iguais a ela e a mim, embora sejamos todos tão diferentes. Cativa os Monstros. Este Monstro. Este que eu sou.
Salta da cadeira, ocasionalmente. Agarra-me pelo pescoço e diz-me: gosto de ti. Também gosto dela. E acrescenta: Sou o Monstro dos Abraços. Diz isto, apertando-me com mais força. E, no abraço dela, eu compreendo que, na sua pequenez, é ela que me protege, oferecendo segurança à minha debilidade adulta.
Dou por mim a querer ser parte dos ensinamentos que ela quer receber. Dou por mim a querer ser escudo de proteção. Dou por mim a querer cultivar sementes de bondade no mundo, para que o mundo dela seja melhor que o meu.
E sei. Sei. A vida não lhe será fácil e o caminho não lhe será brando. Porque ela é. Monstro. Nos meus termos. Diferente, única, fabulosa e cheia de mundos que o mundo rejeita.
Ela disse-me que era. O Monstro dos Abraços. E eu acreditei. Na verdade, eu já sabia. Pelo menos na primeira parte. A do Monstro. Mas, embora saiba melhor a primeira, também aceito a segunda. Porque quando ela salta da cadeira e me abraça, os abraços têm sabor. Sabem justamente ao mundo que, um dia, eu quero para ela...
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