terça-feira, 28 de outubro de 2008

Ir embora...


Tenho as malas feitas à porta e o quarto vazio. O coração, esse está demasiado cheio e demasiado cansado mas, habituada a conviver com o seu peso, já nem eu o noto.
Imagino que tenho um sorriso nos lábios. O sorriso de ter as malas feitas e nenhum destino. A alegria de ir embora outra vez. A alegria que sempre me deu virar costas ao passado.
As malas feitas sempre foram uma promessa. Uma promessa de que a seguir virá algo melhor, ainda que essa promessa seja apenas mais uma mentira que nem sequer conseguirei ouvir.
Faz-me feliz fazer as malas, faz-me feliz ir sozinha até uma qualquer estação e ir embora sabendo que não volto. Faz-me feliz deixar para trás os lugares onde não sou feliz.
Mas hoje tenho as malas feitas à porta, o quarto vazio e a melancolia do que estou a deixar para trás. Porque desta vez sei que estou a fugir. Não estou a fugir pelos mesmos motivos nem das mesmas coisas. Estou a fugir de mim.
E aquelas malas à porta já não me trazem sorrisos. Falam-me apenas alegremente de todas as pessoas que já sabiam há muito tempo que eu ia desistir. Troçam de mim por não ter mais força. Mas e daí? As pessoas que se riam…eu faço-lhes somente uma gigante vénia. Agradeço no final qual actriz que desempenhou o bom papel de fingir não se importar. E essas pessoas serão apenas fantasmas de um passado que nem saberei bem se vivi.
Porque tenho as malas cheias de recordações e não de pessoas. Porque levo comigo apenas o que me tocou a alma e não aqueles que tentaram anular-ma.
Hoje tenho as malas feitas e o quarto vazio. Ou talvez imagine apenas que tenho as malas feitas e o quarto vazio. Porque hoje quero ir embora e estou acorrentada, nem sei bem a quê…
Tenho saudades do passado, desse passado que aconteceu há anos e do passado que aconteceu há minutos atrás. Tenho saudades do passado porque o presente não dura e o futuro é incerto. Tenho medo. Muito medo. E, além disso, tudo o que tenho, são malas por fazer e lugares onde ainda não tentei ser feliz.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Um pedido e uma oração



Este é um pedido e uma oração. Um pedido que de tantas vezes dito está gasto e uma oração que sei que jamais será ouvida.
Mas este é mais um pedido e mais uma oração. Igual a tantas outras orações e a tantos outros pedidos. Iguais como tantas coisas o são… Iguais com a diferença nítida de nada se repetir realmente nesta vida.
Não sei o que fizeste! Não te entendo porque estás em mim e bates levemente sem que realmente proves que estou viva. E, quando rezo baixinho sem saber para quê, tu mantens-te mudo como se tivesses descoberto a arte de bater imperceptivelmente quando mais preciso de ti.
E então, por entre as minhas palavras fúteis lançadas ao vento, eu sussurro para que apenas tu o ouças “hei… é amor!” e tu bates mais forte como se apenas esse pensamento te desse força.
Saberás por acaso, nesse teu bater, o quanto me dói dizer essas palavras? Não acho que saibas! Não acho que entendas os pedidos que ninguém satisfaz ou as orações que ninguém ouve. Acho que moras em mim sem compreenderes sequer qual foi o furacão que passou na nossa vida e me fez desistir de tentar curar-te.
E, se entendesses, sei que baterias debilmente, tal como o fazes agora sem saberes bem porquê.
E dizes que a culpa é minha. Culpas-me de erros que não conheces e fazes com que o meu rosto se inunde dos mais tristes sentimentos.
Se pudesses ver, meu coração, se pudesses ver com toda essa tua inocência o mesmo que os meus olhos vêm dia após dia, saberias porque te digo que é amor ainda que essas palavras me magoem mais do que tudo o que os meus olhos veêm.
Mas tu não sabes e hoje é a ti que peço para não vacilares. Hoje a oração é para ti. Hoje apenas quero que nesse teu leve e compassado bater compreendas que esta vida é um labirinto cuja saída jamais será achada.
E esta oração, igual a todas as outras, é diferente porque, hoje, quero que tu sejas forte, quero que tu ouças e quero que sejas tu a acalmar os meus medos e as minhas ilusões dizendo “hei… é amor”.
Hoje quero que tomes conta de mim com o mesmo cuidado com o qual tomo conta de ti. Hoje quero que digas aos meus lábios que não sintam falta de outros lábios e às minhas mãos que não sintam falta de outras mãos, do mesmo modo que eu sempre te disse que o amor jamais te abandonaria.
Este é um pedido e uma oração. É um pedido que começa com “era uma vez uma menina” e que não tem fim.
Dorme e acorda, coração. Respira fundo. Encontra-te em ti próprio. Porque hão-de te atirar pedras. Porque hão-de te dizer mentiras. Porque hão-de te criticar. Mas escuta esta oração que hoje me vejo proferir: eu tomarei sempre conta de ti e, se tomares também conta de mim, então nada nem ninguém poderá derrubar o que construímos. Conformados com a ironia da vida, a única coisa que nos hão-de poder dizer é “hei… é amor!”. E tu baterás mais forte. E eu sorrirei. E haverá uma espécie de tranquilidade na nossa dor. Não mais estaremos sozinhos. Eu tenho-te a ti e tu tens-me a mim e nós os dois teremos sempre este pedido e esta oração.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet