terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Chora


Chora. Chora mas chora baixinho como quem finge que não tem lágrimas. Chora para dentro para que ninguém veja, para que ninguém saiba, para não fazeres mais ninguém chorar.
Chora. Mas chora como se sorrisses. Chora como se, dentro da alma, houvesse apenas o riso perdido de uma criança contente. Chora. Mas chora para ti. Não chores para o mundo. Não chores de forma a que mais alguém o veja.
Chora. Chora baixinho, em surdina, em silêncio. Chora de olhos secos. Não deixes que caia a muralha nessa chuva de olhar insensata e imatura. Chora. Mas chora sem ninguém saber.
Chora no teu cantinho da cama. Sem estremecer. Sem te deixares arrepiar ou gemer na queda insensata das lágrimas. Chora para ti, como se cada lágrima fosse uma página de diário secreta, selada, intransmissível. E não deixes que ninguém leia em ti essas folhas secas e impressas na tinta magoada da alma.
O teu choro tem algo de dor, algo de mágoa, algo de solidão. Mas a dor é tua. Guarda-a para ti. Chora onde não te roubem o orgulho, já que tudo o resto foi levado e te dá vontade de chorar. Guarda as tuas lágrimas, pequeninas, transparentes e brilhantes. Guarda-as no lugar secreto e sagrado onde ninguém imagina que existam.
E limpa os olhos, seca o rosto, ergue-o. Sai à rua de saltos, caminha de costas direitas e põe um sorriso maquilhado no rosto. Chora. Mas chora apenas dentro das paredes do teu mundo. Não deixes que vejam além dessa muralha fictícia que te leva pela vida, sorrindo.
Chora. Mas chora onde não te julguem fraca. Chora onde não precises de explicar a força que é precisa para se poder chorar. Chora sozinha, onde te podes confortar no teu tempo e à tua maneira.
Um dia vais entender. A tua dor importa. Mas essas lágrimas que mostras, descaradas, pelas ruas onde a vida se faz inferno, não são de amor, se as mostrares. Amar é querer ver bem até quem nos rasga a superfície incauta do coração. E, por isso, se fores chorar, chora baixinho, chora para ti, chora com os olhos secos. Se for por amor, chora assim.
Acredita em mim. É, talvez, a coisa mais importante sobre os sentidos da vida. Mais vale chorar em silêncio. Mais vale ser feliz em silêncio. Mais vale o silêncio. Há tanta gente vazia neste tempo sem contos de fadas que até a dor é roubada, na esperança de se encontrar algo.
Estás triste. Isso significa que sentes. Que há algo dentro de ti. E, por isso, sim: chora. Chora mas chora baixinho, como quem finge que não tem lágrimas. Chora de lágrimas secas. Chora baixinho, em surdina. Assim saberás quem te ama a ponto de ver as lágrimas que trazes no teu sorriso.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet







Aproveito para deixar uma nota sobre a minha participação, enquanto autora, no Festival da Canção '14,cuja semi-final, a 8 de Março, será transmitida pela RTP.
Sou a autora da letra da canção nº 4, "Mais para dar" (composta por Helder Godinho e interpretada por Carla Ribeiro). Não deixem de ver, ouvir e de votar em nós! Qualquer voto é fundamental para nos ajudar a chegar à final de 15 de Março. Uma só chamada pode fazer a diferença! :) 


terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Mares da lua


Os teus defeitos são como os mares da lua. Não se escondem nem se anulam. Ficam à vista, aos poucos, por entre a luz que carregas no sorriso. Não se iluminam com facilidade e fazem formas inventadas sobre realidades indistintas entre algo e coisa nenhuma.
Ficam-te na face iluminada, espelhados a contraste. Mas vêem-se apenas porque não os escondes. Porque queres que, no centro da luz que emanas, se veja o negrume das coisas que julgas erradas ou imperfeitas em ti.
Os teus defeitos não são defeitos. São apenas cicatrizes provocadas pelo embate súbito das contrariedades da vida. Barreiras que ergueste. Medos que cultivaste. Sentidos que ficaram gastos e desbotados por entre o sofrimento dos dias. E são formas definidas e estáticas dentro do teu eu sem definições. São formas que se dizem e se conhecem mas não importam. São cicatrizes de segredo que se estendem e te marcam e não se dizem a ninguém. Mas não precisas de contar a ninguém. Não precisas de me contar. Os teus defeitos são como os mares da lua.
Há luz nos recantos de ti onde embate o sol. E esse brilho reflete o sol na felicidade constante do que resta no fim de tudo o que são os nossos dias. Tal como a lua. E, tal como ela não esconde os mares mas apenas os deixa dormir no negrume de não terem luz, assim deixas esses medos, barreiras e sentidos na penumbra do ser, sem os esconderes nem realçares, buscando apenas ser a luz que há em ti.
E, olhando, mesmo que olhe com atenção e ao pormenor, eu vejo-te o quarto crescente de luz e não o escuro do que fica nos recantos das trevas de ti. Sei dos medos e das barreiras e dos sentidos dormentes que ficam no lado escuro da tua perfeição. Mas não me importa. Não importa porque a luz do que fica atrás das barreiras, por entre os medos e na emoção dos sentidos partilhados, é demasiado forte para se deixar esbater pela escuridão das cicatrizes que carregas.
Há perfeição em ti. Não porque não haja defeitos. Não porque escondas os defeitos. Não porque a realidade fique oculta atrás de um véu de fantasias loucas e insensatas. Há perfeição em ti porque deixas que te veja. Deixas que te veja a luz e a escuridão. Deixas que os teus defeitos sejam como os mares dessa lua distante onde, em formas indistintas de negro, se anunciam por entre o brilho constante, cortante, infinito.
Sim! Há perfeição em ti. Mesmo que, de permeio, exista a sombra do defeito. É uma perfeição lunar de brilho e treva. Uma perfeição que se estende e me arrebata de tal forma que me faz dizer, sem medos nem dúvidas, que eu também amo os mares da lua...

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet




Aproveito para deixar uma nota sobre a minha participação, enquanto autora, no Festival da Canção '14,cuja semi-final, a 8 de Março, será transmitida pela RTP.
Sou a autora da letra da canção nº 4, "Mais para dar" (composta por Helder Godinho e interpretada por Carla Ribeiro). Não deixem de ver, ouvir e de votar em nós! Qualquer voto é fundamental para nos ajudar a chegar à final de 15 de Março. Uma só chamada pode fazer a diferença! :) 

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Adormece-me


Adormece-me nos teus braços, meu amor. Canta baixinho essa canção de embalar. Essa que escreves com as pontas dos dedos, passadas ao de leve pelo meu cabelo desalinhado e revolto. Adormece-me nos teus braços, como a lua adormece no oceano. Estende-me o canto de ti onde os horizontes dos meus sonhos se cruzam com a realidade e a tornam onírica. Adormece-me no teu calor. Adormece-me na simplicidade. Adormece-me nos teus braços.
A noite caiu e as estrelas despediram-se da lua. Talvez chova. Talvez os cobertores nevoentos venham cobrir as estrelas ensonadas, para que ninguém as espie durante o seu sono. Sob as mantas, eu sou uma estrela escondida a pedir pelo teu abraço. Sob as mantas, eu sou novamente menina, desejando uma história encantada de amores que jamais terminem. Uma menina a sonhar o para sempre.
Quero ouvir a história. A nossa história. A nossa história também é um conto de fadas e uma canção de embalar. Ouço-a, palavra a palavra e nota a nota, nas respirações insensatas do meu "eu" cansado e no bater sadio do teu coração, compassado com o meu. Ouço-a, enquanto me encosto a ti e me (re)faço tua, para poder dormir sem medos nem ansiedades.
Adormece-me nos teus braços, meu amor. Abraça-me o corpo frio. Abraça-me a alma macerada. Cura-me assim, noite após noite, enquanto me adormeces com ternura. E canta para mim, mesmo que seja em silêncio, mesmo que toques apenas notas e acordes invisíveis sobre as teclas do meu corpo despido. Adormece-me nos teus braços. Como se adormecem as crianças assustadas e as mulheres guerreiras. Adormece-me como se adormecem as feiticeiras e as fadas. Adormece-me com o encanto quente do teu corpo contra o meu.
Acalma-me os medos, meu amor. Não tenho medo de dormir. Não tenho medo de acordar. Não temo os sonhos nem os pesadelos. Temo que a noite caia e os teus braços não estejam à distância de um toque. Temo a saudade. Temo que as estrelas digam boa noite e as lágrimas me preencham os olhos por não estares aqui.
Adormece-me nos teus braços, meu amor. É nos teus braços que quero dormir. É neles que quero acordar. É neles que quero o aconchego dos dias que chegam, na rotina de não haver rotina que canse quando estamos juntos.
Adormece-me nos teus braços, meu amor. Adormece-me neles, todas as noites. Deixa-me acordar neles todas as manhãs. É nos teus braços que eu quero viver porque é neles que encontro o aconchego da felicidade. Adormece-me nos teus braços. É neles que quero adormecer esta noite. É neles que quero adormecer todas as noites. Quando o tempo vier, é neles que quero adormecer pela derradeira vez...

Marina Ferraz
* Imagem retirada da Internet

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Segunda Oportunidade



"Eu só queria uma segunda oportunidade.", disse ela. E talvez fosse verdade. Mas, olhando-a nos olhos, eu não via alguém em busca de uma segunda oportunidade. Via apenas alguém empenhado em aprofundar o vazio, em alimentar a dor. Talvez por isso, olhando para ela, para os olhos tristes e o rosto magro e pálido, eu não lhe acreditava nas palavras. Mas ela repetia, claro, sempre da mesma forma insensata: "Eu só queria uma segunda oportunidade".
No rosto dela havia o peso do passado, misturado nas linhas velhas e severas de uma mocidade perdida na espera de um amanhã que ficou num anteontem distante. As rugas da alma firmavam-se nos lábios que enrijeciam sem sorrir e nos olhos que ostentavam o brilho das lágrimas gastas que, de tanto terem caído, se mantinham agora presas no interior verde amendoado do seu olhar, enquanto proferia essas palavras: "Eu só queria uma segunda oportunidade."
Vi-lhe a amargura espelhada em cada fragmento do corpo. Vi-lha nas mãos, que se davam uma na outra, pelo medo de nunca mais se darem a outras mãos. Vi-lha na postura cabisbaixa, de ombros caídos. Vi-lha nos pés balouçantes que iam e voltavam, sem parar, aguçando a agitação do coração caótico. Mas vi-a mais no fervor com o qual repetia, neuroticamente aquelas palavras: "Eu só queria uma segunda oportunidade." E, mesmo vendo a amargura em cada recanto de si, eu não acreditava no que ouvia. Não acreditava que ela quisesse, de facto, uma segunda oportunidade.
Pensei, claro, num silêncio só meu que talvez, mais tarde, ela quisesse o que agora pedia, de forma mentida e leviana. Talvez um dia, quando a sensatez desse lugar e espaço para ela pensar além das barreiras da mágoa. Talvez aí... Mas foi um pensamento grosseiro e rude, porque eu sabia que o futuro dela tardaria um pouco, tal como o presente tardava. Ela ainda estava lá, no passado... onde desejava, não uma segunda oportunidade, mas a primeira que nunca tivera de facto.
Podia ter-lhe dito isto. Podia ter-lhe dito que ela não queria uma nova oportunidade, que as coisas que ela fantasiava ter vivido não eram realidades mas antes memórias embelezadas e polvilhadas com pó da ficção. Mas, por mais que as suas palavras não fossem reais, a mágoa era, então, não lhe disse nada.
Então, ela dizia, sempre da mesma forma insensata: "Eu só queria uma segunda oportunidade". Mas ela não sabia, como também eu, em tempos, não soube e como tantas, tantas pessoas não souberam antes de nós. Ela não sabia que era ela quem tinha de dar a si mesma uma segunda oportunidade. Uma que dependia apenas dela. E então, como não sabia, ela repetiu, vez após vez: "Eu só queria uma segunda oportunidade". 

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet