Oscila. É mesmo assim. Para a frente. Para trás. Promessa do voo que não acontece e mãos que não largam as cordas.
Balanço.
Mãos ocasionais nas costas. Que empurram. Que elevam. Ou magoam. Ou derrubam.
Balanço. Para a frente. Para trás. Está na hora.
Despedi-me do negro dos tetos e das paredes húmidas. Do ninho. Dos pequenos mamíferos que roíam rodapés. Havia paredes com o meu nome ao largo dos eucaliptos. Mandei abaixo paredes e selei portas. Pintei tudo de branco e descobri o covil que havia de ser um lar. Lá, onde lendas urbanas aterram, de asas abertas; abri os meus próprios trilhos.
Era uma emoção que me desabotoava o mundo ao mesmo tempo que o mundo encerrava com o aviso de uma pandemia. E havia um pouco de ruído interno nos meus órgãos, ao assinar o papel que firmava de meu aquele pequeno espaço de vista verde. Sim. Havia. Ruído. Soava. Bem dentro dos pulmões.
Não era Covid. Era só emoção.
O cheiro da tinta e os móveis amontoados junto à parede. Salas inteiras de narrativa fílmica. Gente que trazia promessas, junto com almas pardacentas, desamor e palavras moles. Segredos dispersos que me drenavam a conta bancária e a sanidade mental. O retorno inesperado do desalento, sob o teto onde, tantos anos anntes, a depressão nascera. E o pré-aviso do adeus, adiado com pedidos e orações e justificado em muitas horas de mãos agarradinhas, junto à almofada, contando histórias que já tinham sido contadas. Todas as noites. Todas. Menos uma. Aquela onde as estrelas caíram junto ao lago e as apanhei, para as guardar nos bolsos. Meses de clausura no inferno e uma noite de paraíso cantando na voz das constelações. Um aperto dentro do peito, que ora doía, ora vibrava.
Não era Covid. Era só expetativa.
O retorno. Três pinheiros sediados na frente da marquise adornada com esperanças infundadas. A incapacidade de gerir a caruma acumulada nos anos e o salto para a atividade física como se ela fosse um templo. O culto da arte do não pensar. E o pensamento que me perseguia, quando eu corria à velocidade de 7.4 com inclinação 2.
O pensamento apanha-nos sempre. Mas a caruma é mais leve quando o passo é apressado, ainda que, de repente, na corrida contra as marés do tempo, nos encontremos com a realidade da respiração difícil. Não conseguir respirar. Ou conseguir… mas a custo.
Não era Covid. Era só motivação.
O adeus. Aquele. O do pré-aviso já feito. Frio incontrolável de mãos pousadas no medo que se eterniza quando se eterniza também a história do amor pela incapacidade de criação de histórias que se acrescentem às demais. O tempo esgota.
E o vazio. E a solidão. E a perda. E o luto. E trazermos 90 anos de histórias connosco, tentando encaixá-las à força nos nossos 31, como se coubessem, para que não morram também.
Uma dor que pontua o peito. Mas que se estende até todas as frestas, arestas e superfícies do eu, até não haver parte sadia em nós.
Não era Covid. Era só saudade.
A noite. Um coração que acelera. Justificativas
no fundo do copo do vinho quente, que se bebe. Palavras caladas num espaço
deserto que é meu. Palavras em catadupa, a pintalgar os meus poemas, que
ninguém entende. E ainda bem. Cartas viradas, sem remetente. Querido futuro…
O tempo dos lírios. Um frio invernal nas minhas noites quentes. E, algures, uma respiração que falha. Descompassa. Explode. Uma respiração que falha.
Não é Covid. Garanto. Não é.
É o balanço. Constante. Oscila. Para a frente. Para trás. Promessa do voo que não acontecia e mãos que não largavam as cordas. A escolha entre o medo e o céu.
Balanço. Para a frente. Para trás. Está na hora.
Largo.
Agora largo. Não sei se com fé nas asas ou na maciez do solo.
Sustenho a respiração.
Não é Covid. É esperança no futuro.