quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Em silêncio


Os corações gritam em silêncio. Ninguém os ouve. Ninguém lhes pressente a dor. Eles gritam no silêncio de um sorriso e choram sozinhos, por detrás da fachada de um "está tudo bem" de corrida. Os corações batem assim, na solidão. Na solidão de não serem ouvidos pelo mundo, de não serem ouvidos pelas pessoas do mundo. De gritarem até ficarem roucos de tanta dor e ficar apenas um silêncio magoado.
Os corações são feitos de mel agre. Capazes de amar até ao infinito e de sofrer além das barreiras que o infinito comporta. Capazes de fazer isso num silêncio profundo e só seu.
Ninguém venha medir-me a vida em medidas de sorriso. Porque eu sei sorrir. Sei abrir um sorriso enorme e até rir um pouco, por entre os gritos doloridos do meu coração. E, quem me conhece, pode olhar nos olhos e saber que aquele sorriso de rosto não é um sorriso de alma. Mas o coração? O coração grita em silêncio. E ninguém o ouve.
Não aceito que me tratem como se eu fosse um ser sem vida, um ser sem coração. Porque existe um bater no meu peito que me promete que, independentemente de quantos sorrisos eu esboce, o coração continuará a gritar.
Não sei, de olhar para alguém, quantas desgraças lhe encheram a vida. Não ouso dizer que conheço uma pessoa por olhar para ela e a ver sorrir. Há tanta coisa gritada nos silêncios do mundo e tantas lágrimas choradas na solidão... mas respeitarei sempre quem sorri. Porque um sorriso é o sinal de que se está disposto a ser forte. Um sorriso é o mais puro sinal de altruísmo. E, se ao passar pela rua, alguém me olha e sorri, eu sei que ali existe um coração, ainda que seja um coração magoado.
Os corações gritam em silêncio. E eu sorrio no silêncio dos gritos do meu coração. Deixo que ele grite, que chore, que esperneie e que sofra. Deixo que ele sinta. Quem sabe se, um dia, parando para sorrir ou vendo um sorriso, esses gritos não viram música e o coração sorri em silêncio. Num silêncio onde o único grito será para dizer que sou feliz.

Marina Ferraz

*imagem retirada da Internet

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Noites à lareira


Às vezes a vida é como uma noite à lareira. Quente na proximidade dos medos e das dores. Mas quente, ainda assim, mesmo por entre as coisas frias que nos arrefecem a alma.
Acho que a coisa mais hipnotizante no fogo é dança entre o perigo e a paixão. Como se o medo de nos queimarmos nas fagulhas esvoaçantes fosse apenas superado pela vontade inevitável de estender a mão e deixar a chama tocar os dedos, com uma suavidade ténue.
Claro: tocar o fogo seria um erro. Mas quantas vezes na vida não erramos nessa busca incessante por tocar algo que nos cativou o olhar e nos manteve quentes pela noite fora?
Às vezes a vida é exactamente como uma noite junto ao fogo. E há tantas coisas que se podem ver no avermelhado de uma chama. Há tantas palavras que se podem dizer, despidas de sentido e de sensatez.
Mas no fim, é basicamente simples a compreensão das coisas. Não há nada que se possa pedir ao tempo. Não podemos pedir à lenha que consuma mais devagar, nem à chama que siga uma coreografia planeada, simplesmente porque a preferiríamos assim. E há uma beleza suave nesse desprendimento porque sabemos que não podemos controlar o fogo, da mesma forma que sabemos que a vida, essa menina insensata, não seguirá todos os caminhos do nossos sonhos.
E daí? Talvez a beleza da vida esteja justamente nessa imprevisibilidade. Talvez todos dancemos pela vida uma dança sem sentido, como se fossemos chama e a lenha durasse indefinidamente, como se o vento pudesse soprar e atiçar-nos ou apagar-nos.
Sim! Eu acho que é justamente isso. Sem complicações de outros tamanhos. Somos todos um pouco como o fogo: quentes e perigosos, feitos de paixão, feitos de medos, feitos de efemeridades eternas. Vivemos todos uma vida que pode ser reduzida à explicação insensata de uma noite à lareira.
E, por entre estradas mais frias e mais cortantes, é bom pensar que todos nós somos chama. Porque isso significa que, algures na jornada da vida, nos bastamos. E que, algures, de alguma forma, enquanto nos bastamos, precisamos da lenha e ar para subsistir. A lenha das nossas amizades e dos nossos amores, a lenha das coisas que nos arrancam um sorriso, a lenha dos lugares que nos apaziguam a alma, a lenha das memórias pelas quais vale a pena ser chama. E o ar, esse é somente para nos lembrar que o nosso tempo se consome... e que devemos respirar fundo de volta em vez, apenas para apreciar todas as maravilhas com as quais fomos abençoados.
Sim! Para mim a vida é como uma noite à lareira. E, à minha maneira de água, terra e ar, eu também sou fogo. Podem adorar-me ou ter medo de mim ou achar que eu não sirvo para nada. Seja como for, deixem-me brilhar, deixem-me dançar essa valsa de descompasso, que não faz sentido nenhum porque não tem coreografia. Deixem-me arder pela minha vida fora e consumir a minha lenha, aos pouquinhos, saboreando cada pedaço. Quando, por fim, tudo for cinza e eu for pó, quando já não houver calor em mim... a única coisa que vai importar é que tenha valido a pena! E talvez isso não seja nada simples... mas é possível. É possível e eu acredito. Talvez por isso, de alguma forma, perante uma (ir)realidade roubada aos contos de fadas, eu seja uma chama que jamais se vai apagar...


Marina Ferraz
*imagem retirada da Internet

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Voos d' alma


Os pássaros voaram, meu amor. Abriram as asas, rebentaram com os ferros da gaiola. Fugiram por entre os dedos da imensidão do mundo. Desapareceram na distância.
Abriram asas. Partiram. Cada um deles com o nome da liberdade e o espírito solto, oco de amores e desamores, oco de sentimentos vãos.
Os pássaros voaram. Porque tinham asas e o céu chamou. Porque não tinham compromissos nem planos para amanhã. Perderam-se nas copas da árvores, pousaram em cabos de aço, seguiram rumo ao horizonte.
A eternidade que os esperava a cada momento era tão real como a ânsia pelo destino indeterminado. Talvez nem eles soubessem onde ir. Talvez não se importem. Talvez, para eles, abrir asas e voar, rumo à dúvida da distância seja o bastante.
Os pássaros voaram. Sim! Voaram. Fugiram por entre as memórias que não tinham. Por entre as grilhetas que não os prendiam ao chão. Os pássaros desafiaram a gravidade e a emoção. Foram embora.
E eu? Não tenho eu também as asas abertas? Não tenho eu também o céu? Não tenho eu também a distância incerta ou o horizonte inalcançável? Não tenho eu os sonhos? Não tenho eu o amor à liberdade?
Os pássaros voaram, meu amor. Abriram asas, num encolher de ombros de alma. Mas eu importo-me. Importo-me de voar. Importo-me de tirar os pés do chão terroso da minha esperança. E as asas abertas não ousam voar. Estão abertas de sonhos. Abertas da certeza de que, para alguns pássaros de alma negra, estar livre é ter a liberdade de escolher não fugir.
Não vou fugir. Não vou voar. Não vou iludir-me com a noção incerta dessa terra prometida que fica além dos céus. Mas os pássaros voaram e anoitece. Lá do alto talvez ainda se veja o sol. Aqui, a noite é a companheira de voos mais baixos. Tenho saudades do sol!
Os pássaros voaram e as minhas asas bateram, apenas para afastar a poeira que adensou nelas, de tanto as abrir. Os pássaros voaram e eu fiquei, presa aos voos altos das minhas emoções e dos meus sentimentos.
Sorrio. O chão da minha esperança sabe ser doce. O chão da minha esperança sabe ser céu. As minhas grilhetas sabem ser liberdade. Sorrio e abro as asas. E elas ocupam a imensidão do meu mundo. Porque o meu mundo tem o tamanho dos meus sonhos e os meus sonhos são maiores do que o céu, maiores do que a distância, maiores do que o que fica além do horizonte.
Sorrio e fico aqui. Bem aqui, onde poderei sempre ser encontrada, pisando a esperança e abrindo as asas. Os pássaros voaram. Que voem eternamente por um segundo. A minha eternidade durará o tempo da minha alma. E a minha alma é um pássaro livre de anseios, que apenas segue os instintos de um coração demente.
Sossega. Está tudo bem... Os pássaros voaram mas eu ainda estou aqui!

Marina Ferraz

*imagem retirada da Internet