O homem agarrou a criança. O homem obrigou-a a assistir à morte da mãe e do pai, numa tortura muito lenta, que os fez arrancar os olhos e caminhar cegos até ao abismo. O homem disse à criança que precisava de aprender todas as razões pelas quais ele era o herói, o mestre, o único salvador na pátria. O homem determinou que a criança teria de respirar fumo de escape, de segunda a sexta. Obrigou a criança a trabalhar em salas húmidas, com iluminação imprópria e aguentando o calor insuportável dos dias quentes e o frio enregelante dos dias gelados. Castigou a criança. Bateu à criança. Obrigou-a a pagar pelas distrações até que não sobrasse moeda para o lanche. Obrigou-a a deixar de ser criança. Fechou-a na jaula das obrigações com outras crianças iguais a ela: que já não o eram! Mandou que procriassem de noite e se fizessem úteis durante o dia. Deixou que se vissem os ossos miúdos por debaixo da pele, fruto de fome, fadiga e desespero. Transformou as crianças em pais. Torturados lentamente. Até arrancarem os olhos e caminharem cegos para o abismo. Frente às crianças que assistiam, obrigadas...
Só que o homem era o Estado.
E a criança éramos nós.
Talvez com os olhos nas mãos, a caminhar para o abismo seja tarde.
Talvez fosse diferente se, enquanto estão no rosto, os mantivéssemos abertos.
Se quiserem adquirir o meu livro "[A(MOR]TE)"
enviem o vosso pedido para marinaferraz.oficial@gmail.com
Sem comentários:
Enviar um comentário