terça-feira, 10 de setembro de 2024

Conjuntura planetária

 

Fotografia de pt_astrophoto


Sinto-me miserável! Malditos planetas retrógrados!

  

Não percebo muito de astrologia. Mas isto eu sei! Na astrologia existe um fenómeno. Planetas retrógrados. Fala-se deles quando, olhando o céu, observamos que esses planetas fazem um movimento contrário ao expectável, andando para trás. Calma! Eles não andam para trás. Mas a Terra move-se e faz com que pareça assim. E, de repente, a conjuntura mais propícia à Lei de Murphy parece abater-se sobre os humanos. Apesar de o planeta mais próximo estar a cerca de 40 milhões de quilómetros de distância.

 

Bem mais perto, andar para trás não é ilusão de ótica, mas ciclo. Caixinhas e caixinhas e mais caixinhas, onde se enfiam seres humanos com base no género, na sexualidade, na cor da pele e na conta bancária. Divisões que separam norte e sul. Que decidem quem vive ou morre. Que colocam a barra do sofrimento em patamares incomparáveis, enquanto as florestas são regadas com água do mar e chuva ácida. Para que um dia o ar escasseie e sobreviva só quem o engarrafou... Tento explicar que o que me importa são as pessoas. O resto são saliências, orifícios, melanina e casualidade.

 

Querem saber em que caixa estou. E eu quero estar fora da caixa. Sem saberem que uniforme devem vestir-me, dão-me uma t-shirt larga com um alvo no bolso frontal, do lado esquerdo. E mandam que volte mais tarde ao guichê, na esperança de que alguém acerte na mouche, e eu não volte.

 

Vou andando. Guerra aqui e ali. Violência ali e aqui. Dor a crescer a céu aberto e esperança a mirrar nas estufas que ninguém rega. Gente de t-shirt vermelha, com uma pequena cratera no bolso. Furo de bala. De bazuca. De tecnologia triste e podre. Lançada por um drone. Escavada por uma draga que sugou até a vida da própria luz que criou a vida, quando os Deuses não tinham sido inventados.

 

Atiro uma bala ao charco. O metal afunda. E eu afundo a cabeça nos joelhos. Espero o meu tempo. Regresso. Ainda não pertenço a nenhuma das caixas. Perguntam o que sou e sou só pessoa. Não têm esse espaço entre os espaços destacados. Querem saber género, sexualidade, cor da pele, estrato social. Saliências, orifícios, melanina e casualidade. Mas eu não me interesso por isso. Não penso nisso. Ignoro-os. É difícil ouvi-los e aos seus pedidos por entre os gritos da tirania, da guerra, da vida no segundo antes de ser morte, quando vai de ruído escabroso a silêncio áspero.

 

Dizem-me que devo estar sob a influência de algum planeta retrógrado. Sinto-me miserável! Malditos planetas retrógrados! E perguntam-me se sei qual é... Não percebo muito de astrologia. Mas se um planeta está a fazer-me isto, tenho quase a certeza que é a Terra.


Marina Ferraz




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