Meu amor de folha caduca. O Outono chegou e tu não estás. A
tua ausência já me dura há uma Primavera e um Verão. E o relógio continua a
marcar a hora do Inverno. Não quis que houvesse hora além dessa, na qual me
deixaste com tempo para olhar para os ponteiros do relógio e pensar.
Há um cheiro a canela no ar e tu não estás. Há pedaços de
chama que se esbatem em fumo e dançam, antes de desaparecerem no inconcreto de
tetos e paredes, e tu não estás. Há um bolo de cenoura a cozer no forno, e tu
não estás. Há um lago inteiro de mágoas nos meus olhos secos e tu não estás.
Confesso-me incapaz de sentir. Como se o coração, demasiado
cansado de amar até ao limite da loucura, tivesse finalmente feito greve.
Tirado folga. Férias. Bem merecidos dias de repouso. E, então, é como se ele
não sentisse mais do que a vontade de não sentir. De malas feitas, o meu
coração sabe que está mais disposto a largar as possibilidades do que a
somá-las à longa lista de nuncas e sempres. Está mais disposto a dizer “adeus”
do que a ficar. E tudo o que a ele se somasse o reduziria. Porque os abraços
sobre o coração o oprimem, o amassam, o amarrotam. E as sistoles e diástoles
solitárias, nesse inferno sem anjos nem demónios, são o que, aos poucos, estão
a permitir que ele retome a forma e se faça inteiro. É um processo moroso e que
me dói até nos espaços vazios do eu. Ainda bem. É o pouco que me resta para
lembrar os tempos em que o coração, hoje grevista, nem folgas tirava.
As folhas começam a cair. E tu não estás. Também não é
como se conseguisses, agora, desbravar o mato por entre as silvas para chegar
às flores amenas da suavidade que eu não tenho. Sinto que não quero nem posso
amar nada além de mim. E tu não estás. Faço-me amante de mim mesma. E tu não
estás. E falta-me, talvez, a amargura de te ouvir dizer que eu estou errada,
que eu sou o erro, que eu nunca vou aprender. Sinto nos lábios o travo
saudosista por essa miséria desanimada e depressiva, cheia de angústias e
tormentos, que me torturava e me desfazia, orientando-me para o abismo. Amar-me
é também amar o abismo. E a ideia das tuas palavras, que me partiam as asas,
osso a osso e pena a pena.
Apetece-me gritar e tu não estás. Ainda bem. Não quero
gritar contigo. Nem para ti. Nem para a aura inebriada de sobriedades toscas
que ainda ondeiam em teu redor e te retiram da pele o sal marinho dos olhos
cada vez mais azuis. As sombras dos meus querem apenas paz e vazio. Querem
apenas que me respeitem a paz e a vontade do vazio. Porque, se eu escolher
morrer sozinha, com gatos e memórias a encher a casa, essa é uma escolha cujo
direito reclamo.
O temporizador do forno toca e tu não estás. Desenformo o
bolo de cenoura e tu não estás. Sirvo o chá de canela e tu não estás. Há fumo
no ar. Saúdo o Outono. Beijo apaixonadamente essa ideia das folhas que caem,
algures, enquanto eu olho pela janela, para ver andaimes e tela de construção.
A vida passa e tu não estás. Se estivesses, terias beijos só
teus. Um amor perene à tua espera. Bolo de cenoura e chá de canela.