Eu nasci no nascer do Verão, entre os dias mais longos e as
fogueiras mais desejadas. No dia em que eu nasci, o meu país celebrou com fogos
de artifício e paradas de dança. Os céus tiveram estrelas verdes e vermelhas em
explosões de cor e sentido. A praia encheu-se de gente que se atirou ao mar ou
dançou noite fora.
No dia em que eu nasci, o Verão recebeu-me com a carícia do
sol e as amoras silvestres começaram a nascer também por entre os recantos mais
sombrios das florestas. E, embora o dia fosse de celebração, entre foguetes e
fogos, entre danças e cortejos, ninguém soube que eu tinha nascido além daquele
grupinho pequenino que se esquecera, por momentos, do Verão e dos cortejos e
das fogueiras na praia. Para essas pessoas eu era a celebração do dia.
Carinhos e afagos. Comentários sobre quão bonita eu era, ali
deitada num bercinho da maternidade. Parabéns para cá e para lá, em paradas de
desassossego que tão pouco tinham a ver com os festejos daquele dia.
O mundo estava distraído com as festas. As pessoas mais
próximas estavam distraídas com os meus olhos castanhos. Estavam todos tão
entretidos que ninguém notou que, quando eu nasci, o Verão nasceu em mim e eu
me acorrentei às maravilhas da Terra e da Água e dos elementos.
Celebrou-se nesse dia. Celebrou-se a vida. A minha vida. A
vida da Natureza em redor. Celebrou-se tanto que o dia deu lugar à noite e a
noite deu lugar a um novo dia. E, celebrando, ninguém soube que eu celebrava
também. Celebrava uma vida de luas cheias e de Solstícios. Celebrava o dia em
que poderia dar ao mundo metade do que o mundo me dá.
E então cresci. Houve muitos Verões. Muitas festas com
fogueiras e fogos de artifício a banhar o meu aniversário. E a saudosa memória
de que eu nasci com o Verão transformou-se aos poucos na consciência tácita de
que eu não seria eu sem as fogueiras. De que eu não seria eu sem o sol. De que
eu não seria eu se não houvesse Verão.
Foi há muitos Solstícios atrás que o mundo me recebeu, entre
festas e procissões e cortejos. E eu era a amora silvestre dos confins da
floresta. O mundo celebrou sem saber quem eu era. Sem saber que eu tinha
nascido. Mas a Natureza acolheu-me nos braços e, num sorriso quente, destinou
que, mesmo nos dias mais frios e intempestivos, eu seria para sempre parte do
Verão.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet