Deixo-te um bilhete. Vou sair. Talvez vá ao supermercado, encher o carrinho de Liberdade. Abastecer de Liberdade. Açambarcar Liberdade.
Liberdade que o seja não pode ter código de barras. Nem código. Nem barras. Nem nada que oprima. Talvez, por isso, demore a chegar a casa. Não te preocupes. Teremos Liberdade para o jantar... e se não for no jantar de hoje, será no de amanhã. Trarei Liberdade para a nossa casa, nem que tenha de palmilhar a pé todas as ruas da cidade e de entrar em todas as lojas, mercearias, drogarias e bordeis. Trarei Liberdade para a nossa casa.
Não me leves a mal se comprar a mais e deixar alguma espalhada por aí. Sabes que encho sempre demasiado os sacos e, depois, não consigo carregá-los. A Liberdade deve ser leve. Mas sabemos bem que aquela que se vende por aí é, muitas vezes, sucedâneo e, por isso, está cheia de condicionantes e aditivos, de complementos circunstanciais e de enredos políticos. Tudo isso pesa... mas nem vou deixar Liberdade por caminho porque ela pese. Vou deixá-la porque é muito triste olhar as ruas que se fazem cela. Prisões detalhadas com tantas injustiças no ornamento, que até as deusas pousam a balança para apertar a venda sobre os olhos, e não ver os prisioneiros do dinheiro a negar esmola aos prisioneiros da pobreza, todos eles irmãos na penitenciária do capitalismo.
Gostava de deixar um pouco dessa Liberdade na porta das igrejas, ao lado dos panfletos que vendem o céu em lotes. Também gostava de o deixar nas escolas, onde ensinam as crianças a pregar as pernas às cadeiras e a controlarem, à secretária, esse hábito terrível que é brincar, e onde ensinam os professores a seguir os moldes ocos de manuais escolares onde se vende a ficção do heroísmo e a fantasia da escolha, a par com os processos da mitose, o teorema de Pitágoras e a reforma industrial.
Prometo que não paro nos sinais vermelhos. Mas vou parar nos cravos. Não para os colher, mas para lhes pedir desculpa em nome da minha espécie. Ou será raça, outra vez?
Não sei bem onde ir buscar a Liberdade, mas vou. Dizem que os supermercados tiraram o IVA dos produtos essenciais. Por isso, aproveitarei para ir buscar a Liberdade. Espero que haja fila para o balcão da Liberdade. Que toda a gente vá, como eu, buscar um bocadinho e aproveitar a promoção para promover esse bem essencial que vai ficando esquecido, à medida que o desconforto e o cansaço se tornam habituais e rotineiros.
Então, deixo-te esta nota. Fui buscar Liberdade. Trarei Liberdade para a nossa casa, nem que tenha de palmilhar a pé todas as ruas da cidade e de entrar em todas as lojas, mercearias, drogarias e bordeis. Trarei Liberdade para a nossa casa. Teremos Liberdade para o jantar... e se não for no jantar de hoje, será no de amanhã.
Caminharei enquanto houver pés. Para a encontrar.
Se eu nunca voltar, procura-me na mesma vala comum onde enterram todos os heróis livres sem nome. Serei o cadáver que sorri. Talvez igual a todos os outros. E ainda bem. Atira-nos um cravo e segue. Livre. Com essa Liberdade sem IVA que sonho que possas colher nas ruas, nas igrejas, nas escolas e na mesa do jantar.
Prefiro que jantes na companhia da Liberdade do que na minha.
É que, percebe, quem ama não prende.
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